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sábado, 14 de julho de 2012


o Hino Órfico (#40) a Demeter Eleusinia

“Deo, divina mãe de todos, deusa de muitos nomes,
augusta Deméter, educadora de jovens e doadora de prosperidade e riqueza;
Tu nutres as espigas de milho, ó doadora de tudo,
e tu te delicias na paz e no laborioso trabalho de parto.
Presente na semeadura, empilhagem e debulha, és o espírito do fruto não-maduro,
tu que habitas no sagrado vale de Eleusis.
És charmosa e amável, dás sustento a todos os mortais,
foste a primeira a pôr o arado no boi para lavrar a terra
e a enviar de cima a baixo uma adorável e rica colheita aos mortais.
Através de ti, tudo cresce e brota, ó ilustre companheira de Bromio
e, carregando a tocha e sendo pura, delicias-te com a produção do verão.
De debaixo da terra apareces e com todos és gentil,
Ó sagrada cuidadora dos jovens e amantes das crianças e da boa descendência.
Tu conduzes tua carruagem com rédeas nos dragões,
e circulas teu trono girando e uivando em êxtase.
Com filha única, mas com muitas crianças e muitos poderes sobre os mortais,
Tu manifestas tua miríade de rostos à variedade de flores e botões sagrados;
venha, abençoada e pura, e carregada dos frutos do verão,
traga paz junto com as regras de boas-vindas da lei,
riquezas também, e prosperidade, e saúde que nos governa a todos.”

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Deméter part 1
Deusa e mãe da terra cultivada foi compreendida pelos antigos como um equivalente de guê méter, “mãe-terra”.

Como se trata de uma deusa, cujo culto era elevado muito a sério por todos os helenos, da Grécia continental à Magna Grécia e desta à Grécia asiática, divido este texto em três partes: na primeira parte, focalizarei na história do culto a esta deusa; na segunda parte, exponho, de maneira simples, o mito de Deméter, comentando o rapto de Perséfone; e na terceira parte, falo sobre os Mistérios de Elêusis, complementados por um simples estudo da parte simbólica, uma pequena síntese acerca do poder fixação dos alimentos e o esboço de uma pesquisa sobre alimentação e sexualidade.

1ª parte: Culto a Deméter
Os cultos mais antigos de Deméter foram afogados pelas invasões dóricas, segundo o historiador Heródoto (484 – 408 A.E.C.), a partir do século XII A.E.C. Ficaram, no entanto, alguns vestígios dessa fase antiga, particularmente na Arcádia, onde a deusa estava associada ao primitivo Posídon, o Posídon-Cavalo, bem com em Elêusis, segundo se verá em seguida. Nos arredores de Telpussa, querendo escapar do deus, que a perseguia, disfarçou-se em égua, mas Posídon, tomando a forma de um garanhão, fê-la mãe do cavalo Aríon e de uma filha, cujo nome só os Iniciados conheciam. O povo chamava-a simplesmente de Déspoina, a Senhora. Foi por causa da cólera, provocada por essa violência de Posídon, que a mãe de Aríon passou a ser denominada também de Deméter-Erínis. Recebeu, igualmente, o epíteto de Lúsia (a que se banha), pelo fato de ter-se purificado dos contatos do deus-cavalo no rio Ládon. Perto da Figalia, ainda na Tessália, chamavam-na Mélaina, a Negra, porque, em seu ressentimento, cobriu-se com véus pretos e retirou-se para o fundo de uma caverna, onde sua estátua era encimada por uma cabeça de cavalo. Em Fêneo ainda havia traço de mistérios primitivos, celebrados num antro rochoso, onde o sacerdote tirava de um esconderijo uma máscara de Deméter, dita Kidária, cobrindo o rosto e ferindo o solo com um bastão, rito destinado a provocar a fertilidade e evocar as forças ctônias. O termo grego kídaris designa uma espécie de turbante e o sobrenome Kidária poderia derivar de máscara, mas kídaris significa, outrossim, uma dança de Arcádia e a arte figurada deixa entrever que um coro bárbaro de sobrevivência zoomórfica não era estranho a esse culto primitivo. Ainda na Arcádia, as duas deusas, a dupla Deméter-Senhora, tinham características acentuadas de Pótnia Theron, “Senhora das feras”, associadas ao mundo animal e á fertilidade dos campos. Na região da Licúria (a montanha dos lobos) sua companheira era uma Ártemis arcaica. À dupla se ofereciam frutos diversos e animais não degolados, mas despedaçados vivos.
Um mito cretense, recolhido por Hesíodo, atesta que a grande deusa se uniu a Iásion sobre um terreno lavrado três vezes e que dessa ligação nasceu Plûtos. Existem algumas reminiscências de uma hierogamia à época das semeaduras e a idéia desse tipo de união rústica se encontra talvez na Deméter de Olímpia, denominada Caminéia, isto é, “que está na terra”. Sob esse epíteto se viu uma divindade oracular, mas que acabou sendo relacionada com o antigo hábito, segundo o qual o camponês e sua esposa dormiam sobre a terra que deveria ser cultivada, a fim de provocar a vegetação. Homero, na Odisséia, sem mencionar Pluto, refere-se à mesma tradição, ao dizer que o herói Iásion foi fulminado por Zeus, cujo mito olímpico, mais tarde codificado pelo mesmo Hesíodo, faz de Zeus esposo de Deméter, que dele teria tido Kóre, Core, a Jovem, ou Perséfone.
Os sofrimentos por que passou a deusa, quando sua filha, com o consentimento e ajuda do pai, foi raptada por Hades, são relatados no importantíssimo Hino homérico a Deméter, composto lá pelos fins do século VII A.E.C. e que, salvo um ou outro pormenor, pode e deve ser considerado como o hièro lógos, o “discurso sagrado” do Santuário de Elêusis. Nele a deusa augusta da terra é proclamada a maior fonte de riqueza e alegria. Com efeito, quando Deméter recuperou, por dói terços do ano, a companhia de Perséfone, a deusa devolveu (karpòn pherésbion) o grão da vida, que ela própria, em sua cólera dolorosa, havia escondido. Confiou-o, em seguida, a Triptólemo, que o Hino menciona apena acidentalmente entre os chefes de Elêusis. Mais tarde este herói se tornará filho de Metarina e Céleo, rei de Elêusis. Triptólemo recebeu a missão sagrada de levar o grão da vida a todos os povos e ensinar-lhes a prática do trabalho. A esses dons a deusa de Elêusis acrescentou uma recompensa suprema: no templo que Céleo lhe mandou construir, exatamente no local em que se asilou, Deméter instituiu para sempre belos e augustos ritos, penhor de felicidade na vida e para além da morte. Além do mais, as “duas deusas”, mãe e filha, a todos os homens piedosos, que as cultuam, enviam-lhes Pluto, o deus da riqueza agrária. Deméter é, pois, a Terra-Mãe, a matriz universal e mais especificamente a mãe do grão, e sua filha Core o grão mesmo de trigo, alimento e semente, que escondida por certo tempo no seio da Terra, dela novamente brota em novos rebentos, o que, em Elêusis, fará da espiga o símbolo da imortalidade.
Pluto é a projeção dessa semente. Se verdadeiramente o deus da riqueza agrária ficou eclipsado no Hino a Deméter é pela evocação patética de Core perdida e depois “re-encontrada”, uma estreita relação sempre existiu, desde tempos imemoriais, entre os cultos agrários e a religião dos mortos, e é assim que o Rico em trigo, Pluto, acabou por confundir-se com outro rido, o Rico em hóspedes, que se comprimem no palácio infernal. Pois bem, esse rico em trigo, com uma desinência inédita, se transmutou, sob o vocábulo (Plúton), Plutão, num duplo eufemístico e cultural de Hades.
Fundamentalmente agrária, o culto a Deméter está vinculado ao ritmo das estações e ao ciclo da semeadura e colheita para produção do mais precioso dos cereais, o trigo.
Bem antes da fusão com Atenas e comparativamente ao que representavam para a pólis de Péricles as festas em honra de Atená, sem dúvida as festas mais antigas de Deméter celebravam-se em Elêusis com o nome Eleusínias. Tratava-se de um ato de reconhecimento pelo “fruto de Deméter”, “por causa do fruto”, diz laconicamente Aristóteles, acrescentando, ademais disso, que as disputas atléticas, realizadas na ocasião, eram os mais antigos jogos da Grécia. Enquanto os vencedores nas Panatenéias eram recompensados com óleo das oliveiras sagradas de Atená, os atletas campeões nas Eleusínias recebiam como prêmio medidas de trigo sagrado, colhido das planícies de raros, perto de Elêusis, onde, pela primeira vez, Triptólemo plantou a semente sagrada. Vinculadas à cultura do trigo e aos trabalhos por ela requeridos, as festas da deusa de Elêusis se realizavam em datas apropriadas ás condições climáticas de Hélade. As Eleusínias, por sua finalidade mesma, se comemoravam pelos fins da primavera. Os outros ritos, bem mais conhecidos, se escalonavam em três etapas: o trabalho de preparação da terra; a semeadura e a colheita. O rito sagrado da lavoura, relembrava o trabalho inicial de Triptólemo, cujo nome significa popularmente o que revolve a terra três vezes, como trí-polos, “terra trabalhada três vezes”. Esse rito é mencionado em Esquíron, nos confins ático-eleusínios e nas planícies de Raros, onde residia a família dos Budzýgai, “os que atrelam os bois”, que possuía o privilégio de levar a bom termo esse rito sagrado, arando a terra ou mimando simplesmente a lavra e, além do mais, tinha a incumbência de manter os bois sagrados destinados a tal finalidade. De igual natureza eram as Proerósias, “sacrifícios antes da lavra”, festas instituídas posteriormente por Atenas, para atender a uma resposta do Oráculo de Delfos, quando de uma fome geral. Não havia, ao que parece, nas Proesórias, mímica da lavra, mas oferendas propiciatórias anuais em Elêusis, em nome de todos os gregos. O rapto e a ausência, a descida de Perséfone não se processaram no inverno, mas no retorno, a presença, a subida, ocupavam as duas outras partes do ano. A grande deusa iniciava seu esperado retorno após a aradura, no mês Pianépsion (segunda metade de outubro), com as Tesmófiras, a festa das semeaduras, e era “presença total”, realmente, à época da festa das Clóias, quer dizer, do “verde”, no mês Posídeon (dezembro), quando, após as chuvas do outono, o trigo e a cevada de Deméter-Cloe cobriam os campos com um manto “verde” e aqui permanecia até a colheita da última primavera, nos últimos dias do mês de Targélion (fins de maio) e início do mês de Esquirofórion (junho).
A coincidência desta heortologia (calendário de festas) com o clima mediterrâneo atesta que se está em presença de elementos indígenas anteriores à chegada dos gregos na Península. Além do mais, se os nomes Deméter e Core são gregos, Perséfone, que designa Core, após o rapto dessa última, não tem etimologia indo-européia. Até mesmo certas variantes do vocábulo, Perephóneia, Periphóna, Phrséphassa, Pherrpephatta, Phersephóna mostram a dificuldade que os gregos tiveram para adaptá-lo em sua língua. Trata-se, ao que tudo indica, de palavra de origem mediterrânea.
Difundidas por todas as regiões do mundo helênico, as mais antigas festas de Deméter são as Tesmofórias, palavra que se compõe de thesmós, “instituição sagrada da lei” e o verbo phérein, “levar, produzir” e, em sentido figurado, “estatuir, estabelecer”. Deméter thesmophóros é portanto a “legisladora”, porque, tendo ensinado os homens a cultivar os campos, instituiu o casamento, fundando, assim, a sociedade civil. As Tesmofórias são, por conseguinte, a festa das “legisladoras”, em que se agradece a Deméter pelas últimas colheitas.
Atribuídas por Heródoto às filhas de Dânao, as Danaides, as Tesmofórias eram reservadas às mulheres casadas, pela analogia óbvia entre a fecundidade do seio materno e a fertilidade da terra, que as mulheres estão muito mais aptas a promover. Isto explica provavelmente a preeminência da mulher no sacerdócio de Elêusis, tanto mais quanto da cidade santa dos Mistérios a sacerdotisa de Deméter sempre teve as honras da Eponímia.
As Tesmofórias, que duravam três dias, eram celebradas no mês de Pianépsion, segunda metade de outubro, quando os “poceiros” retiravam das fossas os restos dos leitões que aí haviam sido lançados, segundo a prática, cuja causa foi a desventura do porcariço Eubuleu. Jogavam-se leitões em fossas profundas, contava-se, como recordação da manada de porcos de Eubuleu, quase toda tragada, quando a terra se abriu no momento do rapto de Core. Recolhiam-se, em seguida, os restos, que eram misturados a grãos e sementes diversas: tal mistura era colocada sobre os altares e depois espalhada pelos campos. Tratava-se, claro está, de um rito de adubagem sagrada.
O segundo dia festivo das Tesmofórias denominava-se Nestéia, que quer dizer o “dia do jejum”, estomacal e sexual. Em Atenas, as mulheres formavam uma grande procissão e dirigiam-se para o Pnix, a oeste da Acrópole e passavam o dia todo e cabanas feitas de ramos, sentadas sobre folhas de loureiro, cujas virtudes fecundantes eram muito exaltadas pelos antigos. O jejum e a atitude dessas mulheres eram uma evocação de Deméter, prostrada de dor pelo desaparecimento da filha. Esse dia considerado nefasto.
As comemorações do terceiro dia das Tesmofórias denominavam-se Kalliguéneia, que quer dizer, literalmente, “belas gerações”, ou seja, abundantes colheitas. Oferecia-se à deusa uma panspermia, como nas Antestérias dionisíacas, uma espécie de sopa com uma mistura de todas as espécies de sementes, uma vez que pân é todo, total e spérma é semente. As Kalliguéneia transcorriam numa atmosfera de grande alegria e as mulheres casadas, de todas as idades, se entregavam a uma liberdade de gestos e de linguagem que fariam corar Aristófanes! Essa mesma quebra de interditos e “desrepressão” se verificam nas Haloas. Também as Kalliguéneias tinham por objetivo provocar a fertilidade do ser humano e dos campos.
Um pouco mais tarde, após as chuvas do outono, se dúvida do mês Posêidon, em dezembro, quando o trigo e a cevada cobriam a terra de verde, celebravam-se as festas denominadas Cloe (Khloîa), a verdejante, em honra ainda de Deméter, em Atenas e Elêusis.
Nos fins de maio, início de junho, isto é, nos meses de Targélion e Esquirofórion, realizavam-se as Thalýsia, “florir, cobrir-se de folhas, flores e frutos”. Nas Talísias ofereciam-se à divindade as primícias da colheita, hábito já registrado em Homero, mas a propósito de Eneu, rei Cálidon, terrivelmente castigado, porque esqueceu de Ártemis, quando ofereceu as primícias aos outros deuses. Na época clássica, as Talísias eram propriamente uma festa da eira, em honra de Deméter, quando a ela se ofereciam os primeiros grãos da colheita. Teócrito, o grande poeta grego da época alexandrina, no Idílio 7, cujo título é exatamente Talísias, se inspira poeticamente da festa e diz que “Deméter está corada de espigas e de papoulas vermelhas”.
A derradeira festa de Deméter denomina-se Haloas, ou seja, em princípio, uma festividade da deusa “guardiã dos celeiros”, mas essas comemorações celebravam também a outro grande deus da vegetação, Dioniso, que, sob muitos aspectos, está ligado à mãe de Perséfone.
As Haloas se desdobravam, portanto, numa festa da uva, quando se realizava a segunda cava às vinhas, o adubamento das cepas e a degustação do vinho novo, cuja primeira fermentação já havia terminado. Como se tratava de uma festa de Deméter, embora extensiva a Dioniso, a presença da mulher, ao menos em algumas partes da festividade, conferia-lhe um regozijo especial e uma atmosfera de luxúria báquica. Boas apreciadoras também do néctar dioisíaco, as mulheres, mais que nas Kalliguéneia, entregavam-se à gracejos licenciosos e a gestos ousados, que a lei admitia e de que fala Aristóteles na Política (7, 1336 b 17), como assunto superado, por seu caráter ritual.

2ª parte: O mitologema de Deméter e Perséfone
De Homero a Pausânias multiplicaram-se as variantes deste mito.
Deusa maternal da Terra, sua personalidade é simultaneamente religiosa e mítica, bem diferente da deusa Gaia (Géia), concebida como elemento cosmogônico. Divindade da terra cultivada, a filha de Crono e Réia é essencialmente a deusa do trigo, tendo ensinado aos homens a arte de semeá-lo, colhê-lo e fabricar o pão. Tanto no mito quanto no culto, Deméter está indissoluvelmente quase sempre denominada simplesmente As Deusas. As aventuras e os sofrimentos das Deusas constituem o mito central, cuja significância profunda somente era revelada aos Iniciados nos Mistérios de Elêusis. Core crescia tranqüila e feliz entre as ninfas e em companhia de Ártemis e Atená, quando um dia seu tio Hades, que a desejava, a raptou com o auxílio de Zeus. O local varia muito, segundo as tradições: o mais correto seria a pradaria de Ena, na Sicília, mas o Hino homérico a Deméter fala vagamente da planície de Misa, nome de cunha místico, inteiramente desprovido de sentido geográfico. Outras variantes colocam-no ora em Elêusis, às margens do rio Cefiso, ora na Arcádia, no sopé do monte Cilene, onde se mostrava uma gruta, que dava acesso ao Hades, ora em Creta, bem perto de Cnossos. Core colhia flores e Zeus, para atraí-la, colocou um narciso ou um lírio às bordas de um abismo. Ao aproximar-se da flor, a Terra se abriu, Hades ou Plutão apareceu e a conduziu para o mundo ctônio.
Desde então começou para a deusa a dolorosa tarefa de procurar a filha, levando-a a percorrer o mundo inteiro, comum archote aceso em casa uma das mãos. No momento em que estava sendo arrastada para o abismo, Core deu um grito agudo e Deméter acorreu, mas não conseguiu vê-la, e nem tampouco perceber o que havia acontecido. Simplesmente a filha desaparecera. Durante nove dias e nove noites, sem comer, sem beber, sem se banhar, a deusa errou pelo mundo. No décimo dia encontrou Hécate, que também ouvira o grito e viu que a jovem estava sendo arrastada para algum lugar, mas não lhe foi possível reconhecer o raptor, cuja cabeça estava cingida com as sombras da noite. Somente Hélio (o Sol), que tudo vê, e que já, certa feita, denunciara os amores secretos de Ares e Afrodite, cientificou-a da verdade. Irritada contra Hades e Zeus, decidiu na mais retornar ao Olimpo, mas permanecer na terra, abdicando de suas funções divinas, até que lhe devolvessem a filha.
Sob o aspecto de uma velha, dirigiu-se a Elêusis e primeiro sentou-se sobre uma pedra, que passou, desde então, a chamar-se Pedra sem Alegria. Interrogada pelas filhas do rei local, Céleo, declarou chamar-se Doso e que escapara, há pouco, das mãos de piratas de que a levaram, à força, da ilha de Creta. Convidada para cuidar de Demofonte, filho recém-nascido da rainha Metanira, a deusa aceitou a incumbência. Ao penetrar no palácio, todavia, sentou-se num tamborete e, durante longo tempo, permaneceu em silêncio, com o rosto coberto por um véu, até que uma criada, Iambe, fê-la rir, com seus chistes maliciosos e gestos obscenos. Deméter não aceitou o vinho que lhe ofereceu Metanira, mas pediu que lhe preparassem uma bebida com sêmola de cevada, água e poejo, denominada kykeón, “agitar de modo a misturar, perturbar agitando”, onde cíceon, além de “mistura” significa também “agitação, perturbação”. Trata-se, ao que parece, de uma bebida mágica cujos efeitos não se conhecem bem.
Encarregada da educação do caçula Demofonte, “o que brilha entre o povo”, a deusa não lhe dava leite, mas após, esfregá-lo com ambrosia, o escondia, durante a noite, no fogo, “como se fora um tição”. A cada dia, o menino se tornava mais belo e parecido com um deus. Deméter realmente desejava torná-lo imortal e eternamente jovem. Uma noite, porém, Metanira descobriu o filho entre as chamas e começou a gritar desesperada. A deusa interrompeu o grande rito iniciático e exclamou pesarosa: “Homens ignorantes, insensatos, que não sabeis discernir o que há de bom ou de mal em vosso destino. Eis que tua loucura de levou à mais grave das faltas! Juro pela água implacável do Estige, pela qual juram também os deuses: eu teria feito de teu filho um ser eternamente jovem e isento da morte, outorgando-lhe um privilégio imorredouro. A partir de agora, no entanto não poderá escapar do destino da morte” (Hh. D., 256 – 262). Surgindo em todo seu esplendor, antes de deixar o palácio, que se lhe erguesse um grande templo, com um altar, onde ela pessoalmente ensinaria seus ritos aos humanos. Encarregou, em seguida, Triptólemo, irmãos mais velho de Demofonte, de difundir pelo mundo inteiro a cultura do trigo.
Construindo o santuário, Deméter recolheu-se ao interior do mesmo, consumida pela saudade de Perséfone. Provocada por ela, uma seca terrível se abateu pela terra. Em vão Zeus lhe mandou mensageiros, pedindo que regressasse ao Olimpo. A deusa respondeu com firmeza que não voltaria ao convívio dos Imortais e bem tampouco permitiria que a vegetação crescesse, enquanto não lhe entregassem a filha. Como a ordem do mundo estivesse em perigo, Zeus pediu a Plutão que devolvesse Perséfone. O rei dos Infernos curvou-se à vontade soberana do irmão, mas habilmente fez que a esposa colocasse na boca uma semente de romã e obrigou-a a engoli-la, o que a impedia de deixar a outra vida. Finalmente, chegou-se a um consenso: Perséfone passaria quatro meses com o esposo e oito com a mãe.
Reencontrada a filha, Deméter retornou ao Olimpo e a terra cobriu-se, instantaneamente, de verde. Antes de seu regresso, porém, a grande deusa, ensinou todos os seus mistérios ao rei Céleo, a seu filho Triptólemo, a Díocles e a Eumolpo “os belos ritos, os ritos augustos que é impossível transgredir, penetrar ou divulgar: o respeito pelas deusas é tão forte, que embarga a voz” (Hh. D., 476 – 479).
A instituição dos Mistérios de Elêusis explica-se, pois, pelo reencontra das duas deusas e como conseqüência do fracasso da imortalização de Demofonte. A esse respeito, comenta agudamente Mircea Eliade:
“Pode-se compara a história de Demofonte com os velhos ritos de relatam o trágico erro que, em certo momento da história primordial, anulou a possibilidade de imortalização do homem. Mas, nesse caso, não se trata do erro ou do ‘pecado’ de um antepassado mítico que perde para si e para seus descendentes a condição primeira de imortal. Demofonte não era uma personagem primordial; era o filho caçula de um rei. E pode-se interpretar a decisão de Deméter de imortalizá-lo como o desejo de ‘adotar’ um filho (que a consolaria da perda de Perséfone) e, ao mesmo tempo, como uma vingança contra Zeus e os Olímpicos. Deméter estava transformando um homem em deus. As deusas possuíam esse poder de outorgar a imortalidade aos humanos, e o fogo ou a cocção do neófito figuravam entre os meios mais reputados. Surpreendida por Metanira, Deméter não escondeu sua decepção diante da estupidez dos homens. Mas o hino não faz qualquer referência à eventual generalização dessa técnica de imortalização, isto é, a fundação de uma instituição suscetível de transformar os homens em deuses por intermédio do fogo”.
Na realidade, Deméter só se identificou e pediu que se lhe erguesse um templo após o fracasso da imortalização de Demofonte, mas somente transmitiu seus ritos secretos depois de seu reencontro com a filha. Não existe, pois, objetivamente, nenhuma relação entre a iniciação nos Mistérios e a cocção de Demofonte, interrompida por Metanira. O iniciado nos Mistérios não conseguia e nem pretendia a imortalidade. É bem verdade que, ao fim das cerimônias nos Mistérios, o templo inteiro era iluminado por milhares de archotes, mas esse clarão, “esse fogo”, simbolizava, tudo leva a crer, a iluminação interior dos iniciados e a certeza das luzes da outra vida. O pouco que se conhece das cerimônias secretas deixa claro que o mistério central envolvia a presença de duas deusas e que sua fundamentação era a morte simbólica, a descida de Perséfone e seu retorno triunfante, como a semente que morre no seio da terra e se transmuta em novos rebentos. E se através da iniciação a condição humana era modificada, isso se fazia num sentido bem diferente do da fracassada imortalização de Demofonte. O que os Mistérios prometiam era a bem-aventurança após a morte. Os textos a esse respeito são muito escassos, mas expressivos.
O próprio Hino a Deméter promete a felicidade para os Iniciados e indiretamente o castigo para aqueles que ignoram os Mistérios:

Feliz aquele que possui, entre os homens da terra, a visão destes Mistérios.
Ao contrário, aquele que não foi iniciado e aquele que não participou dos santos
ritos não terão, após a morte, nas trevas úmidas, a mesma felicidade do
iniciado. (Hh. D., 480 – 482)

Em um de seus Trenos, fr. 6 (e não 10, como erradamente consta em Mircea Eliade) exclama o maior dos líricos da Hélade:

Feliz aquele que, antes de baixar á terra, contemplou este espetáculo. Ele
conhece qual é o fim da vida e também o começo, outorgado por Zeus.

Sófocles, fr. 753, o trágico maior, trouxe também a sua contribuição:

Bem-aventurados os mortais que, após terem contemplado os Mistérios, vão
descer à outra vida. Ali, somente eles viverão; os outros só terão
sofrimentos.

Na comédia de Aristófanes, As Rãs, 154 – 159, Héracles (Hércules, em Roma), ensinando a Baco o caminho que levava ao Hades, fala de um pequeno encontro de Dioniso com a alegria dos Iniciados na outra vida:

Héracles – Prosseguindo, envolver-te-á um sopro de flautas. Divisarás
uma esfusiante claridade, como aqui; encontrarás bosques de mirto, grupos
bem-aventurados de homens e mulheres e um estrepitoso bater de palmas.
Baco
– quem são estes?
Héracles – Os Iniciados.[1]

Seja como for, como diz Mircea Eliade, o rapto, quer dizer, a “morte” simbólica de Perséfone, trouxe para os homens benefícios incalculáveis. Uma deusa olímpica, que passa a habitar apenas uma terça parte do ano o mundo dos mortos, encurta a distância entre os dois reinos: o Hades e o Olimpo. Como ponte entre os dois “mundos divinos”, podia intervir no destino dos homens mortais.
Os Mistérios de Elêusis vão ter exatamente por essência essa morte simbólica, projetava na morte e na ressurreição da semente.

3ª parte: os Mistérios de Elêusis

Acerca dos Mistérios de Elêusis o que se sabe é tão-somente o exterior e, mesmo assim, fragmentariamente. Os documentos literários e a arte figurada aludem particularmente à preparação das etapas da iniciação, o que, é claro, não exigia segredo. Assim mesmo Ésquilo, segundo Aristóteles, teria revelado, sem o querer, certos aspectos secretos relativos aos Mistérios e converter-lhes os adeptos, se não dissessem o que realmente acontecia, correriam o risco de ser desmentidos. Essas informações, porém têm que ser analisadas com muita prudência, porque, se de um lado são muito incompletas e reticentes, sem penetrar no âmago da questão, e a prudência assim o aconselhava, de outro, baseiam-se, não raro, em “mistérios tardios”, da época helenística. Em dois mil anos de funcionamento em Elêusis, é muito provável que os Mistérios tenham sofrido influências de outras correntes religiosas e que certas cerimônias se tenham modificados com o correr dos anos.
No tocante ás informações dos “pagãos”, também elas, e com muito mais razão, pecam pela base: abordam tão-só aspectos externos, quando não se baseiam em épocas tardias, e, pior ainda, quando não confundem Mistérios de Elêusis com Orfismo.
[1] Aristófanes. As Rãs. Tradução de Junito de Souza Brandão. Rio de Janeiro, Ed. Espaço & Tempo, 1987.

Entrevista de Gilberto Lascariz


apresenta de forma mais actual o caminho que sigo actualmente. Embora a entrevista tenha sido pedida pela Associação Satânica Portuguesa eu não sou membro dessa associação nem me identifico com os parâmetros laveyanos dos seus membros nem mesmo do satanismo conhecido. Em suma: o tipo de prática que sigo está mais proximo das raizes luciferianas e visionárias da Bruxaria Arcaica, o que se poderá chamar mais propriamente por Bruxaria Tradicional. Grande parte dessas minhas concepções esotéricas vão aparacer no meu proximo livro, que sairá dentro de tres semanas, chamado Quando o Xamã Voava, onde faço uma ligação entre Bruxaria Tradicional e Xamanismo Europeu e Asiático. Na altura. se quiser, posso enviar-lhe um exemplar do meu livro para a sua morada no Brasil.”
ENTÃO O QUE EU FIZ... mandei um e-mail pro Lurker (Editor Chefe da revista Inferno) pedindo [quase implorando... rs] que ele concedesse a entrevista ao Todos os Clãs. Isso no dia 30/08/2011 e hoje já é 01/09/2011... como ele ainda não respondeu, e é provável que ainda nem leu o email, estou publicando essa entrevista que achei no “PORTUGAL PARANORMAL” onde o Gilberto fala apenas da Wicca, como ele a via na época, como foi sua pratica [Todas as Marcações na entrevista são minhas]... espero que o Lurker responda e quem sabe trago pra cá a entrevista do Gilberto, provavelmente em Dezembro... 

1 - O que é o Wicca?
R: Essa é uma pergunta muitíssimo simples mas muito complexa para poder ser respondida sob forma de sabatina. Se você procurar aqui na internet encontrará basicamente sempre a mesma resposta padrão, repetida até ao infinito, e que pode ser definida assim: o Wicca é uma religião neo-pagã que reverencia e celebra as Forças da Natureza, representadas pela interdependência criativa do Deus Cornudo e da Deusa Mãe, e cujas origens nasceram da prática da bruxaria antiga e neo-pagã. Esta resposta estaria em princípio certa. Mas só em princípio! Porque ela escamoteia aquilo que é essencial no Wicca: o facto de ela ser um sistema iniciático. Por isso, se eu quisesse dar uma resposta directa e sintética eu responderia de outra maneira: o Wicca é um sistema mágico-religioso de características iniciáticas, que se enraíza na prática europeia da bruxaria arcaica e neo-pagã centrada á volta do Deus Cornudo e da Deusa da Lua, e que toma o processo de Metamorfose da Natureza e dos seus Luminares como matriz do próprio processo de metamorfose cognitiva da Alma. Esta seria a resposta completa, na minha opinião!

2- Como surgiu o Wicca?
R: O Wicca surgiu publicamente através do livro Witchcraft Today em 1954. O seu autor Gerald Gardner é considerado o fundador de uma prática de bruxaria neo-pagã cujas origens lendárias advinham desde a antiguidade pré-clássica e havia sobrevivido á perseguição cristã. Gardner veio a denominá-la pela expressão oriunda do inglês antigo Wicca. Mas esta é a origem lendária do Wicca! As suas raízes históricas apoiavam-se na corrente da etnografia vigente na Escola de Cambridge e de que a arqueóloga Margaret Murray durante muito tempo fez eco. Gardner havia afirmado que a prática do Wicca havia sido preservada em New Forest por um conventículo de bruxaria em que fora iniciado em 1939 através de Dorothy Clutterbuck. Embora a escritora Doreen Valiente houvesse provado a existência de Dorothy Clutterbuck depois da dúvida levantada quanto á sua real existência pelo historiador Jeffrey Russel, foram muitos os iniciados que exultaram de felicidade diante desta prova admitindo precipitadamente que toda a historia publicitada por Gardner fora pura verdade histórica. A década de 90 foi fatal para esta crença ingénua mantida pelos iniciados wiccans através das investigações de dois historiadores iniciados: Aidan Kelly e Ronald Hutton. Eu admito  que Dorothy Clutterbuck terá funcionado para o Wicca da mesma maneira que Anna Sprengel para a criação da Golden Dawn: um mito fundacional! A investigação de Ronald Hutton provou que a personagem histórica Old Dorothy Clutterbuck embora tenha realmente existido, como Doreen Valiente veio a provar antes, ela não corresponde á personagem Old DorothyNa sua vida real ela não era uma bruxa inspirada mas uma beata cristã e burguesa, mecenas do partido conservador local e instalada numa sociedade convencional para se poder identificar com uma prática mágico-religiosa contra cultural de fundo ante-cristão.
3 - Quais são os Princípios Basilares do Wicca?
R: Há um conjunto de princípios basilares que são a sintaxe de toda a actividade mágico-religiosa wiccan. Costuma-se dizer erroneamente que são Princípios de Crença no mesmo sentido em que é usado nos Artigos de Fé das religiões monoteístas! Não temos crenças em que se possa sentar preguiçosamente e dizer na base disso: «eu sou wiccan porque acredito nisto e naquilo»! Se for á capela da paróquia lá poderá encontrar cabeças atulhadas de crenças religiosas! Lamento desiludi-lo com esta informação: a crença é uma desculpa fácil para parecermos aquilo que realmente não somos. Não deveria ter lido a maçadora «literatura de supermercado» de autores tipo Scott Cunningham que fala tanto de crenças no Wicca...e que só existem como crença na sua ingenuidade mental.
A ideia da existência de Principias de Crença surgiu no entanto em 14 de Abril de 1974 com a declaração "Os Princípios de Crença Wiccan" formulada pelo Concilio de Bruxas Wiccans, uma organização ecléctica de wiccans americanos. A partir de então ela aparece sempre transcrita em muitos livros eclécticos de wiccans americanos e tornou-se a base de muitas organizações wiccans á volta do mundo. Mas no Wicca não há Princípios de Crença como nas religiões actuais, mas apenas contextos para uma experiência espiritual e diversos Paradigmas espirituais. O contexto que permite o eclodir dessa experiência é determinado pelo treino meditativo e os rituais.
Poderia dizer que os Princípios Basilares são como as regras de trânsito no código da estrada e que permitem viajar ao cerne do universo com um conjunto de técnicas místicas específicas. A paisagem que vai emergir nessa viagem depende muito de você. É essa a sua liberdade. É esse o encanto da "viagem". Existem no entanto um conjunto de Paradigmas que servem de matriz á religiosidade wiccan e que são os seguintes:

   1. A existência de uma Polaridade Universal, raiz de todos os processos de Vida e de Consciência, representados pela interacção criativa entre uma Grande Deusa Arcaica e um Deus Cornudo.
   2. A santificação da Natureza como espaço de imanência do divino e a celebração dos seus ciclos cósmicos de metamorfose.
   3. A prática da Magia e o desenvolvimento de Poderes Parapsíquicos.
   4. A relevância da Reencarnação na perspectiva de um parentesco por linhagem de sangue ou por linhagem corporativa e fundamento de uma evolução espiritual específica.
   5. A valorização de um sistema de Iniciação na Tripla Dimensão do Ser Humano.

Estes Cinco Paradigmas podem ser organizados dentro do Pentagrama, que é a Matriz Mística da nossa Tradição, como no diagrama abaixo.

Utilize-o como motivo de meditação. Por exemplo veja como o conceito de Polaridade Divina em cima se liga pelo braço do Pentagrama simultaneamente, em baixo, ao Principio da Iniciação (no elemento Fogo)e da Natureza (no elemento Terra), sugerindo serem "lugares" onde eles preferencialmente se manifestam. O espaço exterior da Natureza Selvagem e o interior do Ser Humano parecem ser esses "lugares" não acha? Observe também como ao ser inscrito num circulo o Pentagrama lhe estimula outros caminhos de reflexão: veja a Iniciação relacionada com a Natureza em baixo, formando com a Polaridade divina em cima um grande triângulo de fogo. Isto tem um significado sabe? Agora note, por exemplo, que essa Polaridade Divina para atingir o ponto de manifestação da Natureza em baixo atravessa o ângulo associado á Magia e ao elemento Ar. Isso quer dizer alguma coisa não acha? Use este esquema como meditação e se quiser fale-me dele. Será divertido e instrutivo para ambos!

4 - Qualquer pessoa pode ser um/a wiccan mesmo se conservando cristão ou muçulmano, por exemplo?
R: Não. Absolutamente não. Se é um cristão consciente e respeita o compromisso que ainda tem com a sua religião só lhe tenho a dizer o seguinte: não pode ser um wiccan! Os fundamentos teológicos do cristianismo, seja qual for a sua confissão, baseiam-se em três premissas de crença para nós inaceitáveis:
    * A existência do pecado
    * E a necessidade de salvação,
    * Associado à predominância de uma concepção monoteísta e transcendente da divindade. 

   Ao contrário também da crença religiosa generalizada num Deus transcendente á natureza e á humanidade, o wiccan tem uma concepção imanente da Divindade: encontra-a sobretudo nos lugares selvagens da natureza e não dentro duma igreja ou através de um livro revelado e omnipotente, e considera os espaços naturais ainda não domesticados pelo homem como lugares santificados, verdadeiros santuários, animados por Forças Espirituais sensíveis e tocáveis pelo nosso espírito. O nosso "Livro Revelado" é o Livro aberto da Natureza, na metamorfose das suas estações e com todas as suas criaturas: são elas os nossos Mestres, mais do que os livros proféticos e obtusos de uma religião.
   O mesmo se aplicaria a um muçulmano, com a gravidade maior do Islão nutrir uma profunda e repugnante misoginia em relação ao feminino. Nunca um cristão ou um muçulmano poderá ser um wiccan, como da mesma forma não poderá ser simultaneamente budista, existencialista ou ateu! Se é cristão e respeita si mesmo e à sua fé, por muito fundamentalista e obsoleta que ela seja, então faça o favor de não pretender ser wiccan. A Divindade é como a metáfora de um cristal de múltiplas facetas: todas elas podem ser um caminho de Luz para a profundidade de si mesmo! Mesmo que a sua religião possa ter sido um dia mais um caminho de treva, crueldade e crime, do que um caminho de Luz! Talvez o problema não esteja na Divindade que adoravam, mas nos homens imperfeitos que eram seu adoradores!

5 - Mas então qual a diferença entre o Wicca que, por uns é definida como uma prática religiosa e, por outros, como uma prática iniciática? São duas formas de wicca? São a mesma wicca?
R: Na realidade são duas formas de wicca: um é o Wicca Iniciático, que é o seu sentido «strictu sensu», e o outro é as múltiplas formas de Néo-Wicca ou Wicca Ecléctica com preocupações de índole mais religiosa, cívica e cultural.
   O Neo-Wicca ou o Wicca Ecléctico, emergiu muito mais tarde do que o Wicca, precisamente em meados dos anos setenta nos Estados Unidos com a emergência das seguintes iniciativas:
    * A convenção americana Gnosticon da principal iniciativa de Carl Llewellyn Weschcke, o fundador da grande editora Llewellyn  Publications;
    * A aceitação dos Princípios de Crença Wiccan em 14 de Abril de 1974 como plataforma religiosa dos wiccans americanos e o estímulo a uma atitude aberta e experimentalista de todo o tipo de ritual «wiccan style».
    * O desenvolvimento de métodos mais abertos de pesquisa mágica wiccan através da criação do Circle Santuary em 1975 pelos ex hippies Selena Fox e Jim Allen.
    * A criação em 1975 do Pagan Spirit Gathering no Wsconsin por Selena e Jim que se tornou o primeiro acampamento wiccan e a criação em 1977 do Pan-Pagan Festival pelo Midwest Pagan Council em Ilinois.
    * O sucesso editorial dos livros Spiral Dance de Starhawk  e Drawing Down the Moon de Margot Adler ambos publicados em 1979 e que gerou uma onde de experimentalismo wiccan fora do patrocínio dos conventículos tradicionais.

   O Wicca desde a sua fundação por Gerald Gardner era um sistema iniciático fechado, com um sistema de graus que ilustrava os processo evolutivos da Alma do Iniciado. Isso não o impediu de dizer: «o Wicca é uma religião». Mas na cultura dos cenáculos esotéricos a quem ele se dirigia isso queria dizer uma «Religião de Mistérios», o que não quer dizer a mesma coisa que Religião!

    A partir dos anos setenta emergiu gradualmente nos Estados Unidos um novo tipo de Wicca, mais aberto e interessado em evoluir para formas mais sofisticadas de práticas neo-pagãs e menos dependentes dos modelos novecentistas de Magia. Isto deve-se ao facto de nos anos setenta os livros de Gerald Gardner serem completamente desconhecidos do publico americano e só vários comentadores de segunda vaga e conhecendo por vezes o Wicca de fora haviam sido publicados nos USA. Nos anos setenta só Sybil Leek e depois Raymond Buckland eram conhecidos do público americano como tendo alguma proximidade interior ao Wicca. No entanto o primeiro livro de Sybil The Diary of a Witch já estava disponível ao grande público americano em 1968. O livro What Witches Do de Stewart Farrar havia sido publicado no Reino Unido em 1971 mas passou despercebido pelo wiccan americano ecléctico.
   No entanto, a partir dos anos oitenta as leituras dos livros escritos pelos iniciados gardnerianos e alexandrianos, como Doreen Valiente, Stewart Farrar e Raymond Buckland, divulgaram muitas das bases de trabalho de conventículo tradicional e emergiu uma forma popular de Wicca baseada no plágio destes textos.
   Basicamente ela começou nos inícios dos anos setenta com o movimento Pagan Way criado por Joseph Wilson e Ed Ficht e a sua valorização de uma forma de Wicca enraizado em encontros na natureza e em workshops de trabalho mágico com ela. Neste sistema aberto ao público em vez dos velhos modelos convencionais de iniciação do Wicca era preferido os processos naturais de trabalho meditativo com as forças da natureza de forma a elas induzirem na psique do indivíduo uma forma de Iniciação natural. Este movimento constituiu também uma forma de adaptar e transformar materiais iniciáticos ás necessidades de consumo publico mais básicas, criando matrizes de celebração ritual abertas à possibilidade de ser adaptadas por qualquer pessoa ás suas inclinações místicas individuais ou de grupo. Foi esse sistema que serviu de base nas celebrações ao ar livre em muitos festivais neo-pagãos pela Califórnia e pelo resto dos Estados Unidos.

   Nos anos setenta a Califórnia era, então, um verdadeiro alfobre de génios á solta como Allan Watts, Fritjof Capra, Carlos Castaneda, J. B. Rhine, Abraham Maslow, e muitos outros, tornando-se num pólo de efervescência místico-cientifica associada com pesquisas ousadas nas zonas mais ocultas do cérebro e a base de experiências comunitárias de vida em oposição aos modelos de sociedade vigente. Mas também do desenvolvimento de estados alterados de consciência através do LSD e de técnicas meditativas xamânicas, e que veio a desembocar no Instituo Esalem e na Gnose de Princeton. Foi este novo impulso espiritual na humanidade para criar um sistema onde religião, ecologia e ciência, fossem facetas de uma mesma realidade cognitiva, associado ás grandes mudanças nos meios culturais underground da juventude americana e universitária, que propiciou a emergência de uma religiosidade new age e, por consequência, de um sistema wiccan de características populares que satisfazia as suas necessidades de integrar simultaneamente o ambiente e o ser humano, num todo ecológico e espiritual, e com meios intensos mas simples e acessíveis.
   Foi neste contexto que naturalmente emergiu o «wicca de supermercado» pela mão de Scott Cunningham, e que desemboca hoje em autores como Silver Ravenwolf e Gerina Dunwich. Mas o Wicca aparecia, também, como a primeira religião ecológica: respeito e defesa do mundo natural, valorização das energias corporais, a alegria e o prazer como elemento constituinte da sua religião, defesa da igualdade jurídica e de oportunidade de vida não só de homens e mulheres mas de todas as formas de vida. Parafraseando o fundador da "deep ecology", o Wicca propiciava a cada pessoa neo-pagã a possibilidade de poder «viver e pensar como uma montanha», isto é, em contacto íntimo com o mundo natural. É esta tendência á dissolução emotiva no meio natural e nas forças de vida, numa perspectiva de auto-regeneração, que define a religiosidade neo-pagã. Dele estava definitivamente arrumado para os cantos escuros do esoterismo o seu carácter iniciático. Porque era muito mais complexo, menos atractivo a uma população que pretendia um consumo rápido e superficial de religiões alternativas, e demasiado transgressivo para o pudor presbiterado com a sua valorização do Deus Cornudo e das energias sexuais.
   A Iniciação é o corolário e a razão de existir do Wicca Tradicional. Ela está no pólo oposto de um «misticismo sem suor» típico do eclectismo wiccan e visa a mutação radical do ser humano na sua tripla constituição arquetípica: do pensamento, do sentimento e da vontade. O caminho dessa integração iniciática é diferente dos outros sistemas iniciáticos de fundo cristão como os rosacrucianos e que visam a sublimação e desmaterialização. No sistema wiccan a iniciação «imita» os processos arquetípicos de metamorfose da natureza como matriz cósmica da metamorfose espiritual. É em virtude desta «imitação» ou mimesis da natureza que o Wicca é também conhecida pela expressão "A Arte".
   No wicca tradicional o caminho mágico é «a rebours», como se dizia na antiga bruxaria: voltar atrás numa espécie de eterno retorno através da escala evolutiva das espécies que trazemos ainda connosco, desde o estado de ser civilizado actual até aos estratos atavísticos e ao inconsciente antropológico, fazendo brotar desta forma umas ser tão completo e integrado quanto possível á imagem e semelhança da metáfora do Deus Cornudo. É neste sentido de recuo antropológico, sintetizado na tese mágica do "a rebours", legitimado pelas teorias das sobrevivências na etnografia e da geologia durante a época de Gardner e mais tarde pela psicologia reichiana, o psicodrama, as psicoterapias do grito primal e as técnicas de bio-feedback, que está o segredo Mistérico da Wicca como herdeira da Bruxaria Arcaica!
               
6 - Mas, mais uma vez, porque ainda não entendi bem: o que distingue, numa imagem mais terra a terra, a faceta iniciática da Wicca e a faceta religiosa da Néo-Wicca?
R: A dimensão religiosa do Neo-Wicca ou Wicca Eclético implica a dimensão emocional e ética da religiosidade neo-pagã: você está ao ar livre, à volta de uma grande fogueira, entre gente simpática e desinibida, dançando ao som de tambores, flautas e gaitas de foles, no meio da floresta, e de súbito tem a sensação que passou a barreira do tempo: passa de um tempo profano de rotina unidimensional para um tempo mítico e aberto que abarca o passado e o presente, e lhe dá a sensação de infinitas possibilidades. Esta é uma sensação bela e refrescante, ausente das religiões massificadoras! E profundamente terapêutica! Mas com o tempo ela desvanece-se no vazio trepidante do quotidiano e acaba por ficar dela apenas a sensação passageira de uma comichão metafísica, num dia de luar e no meio do bosque, entre gente formidável.
Mas há uma dimensão ética nesta religiosidade também! E ética tomada aqui no sentido de uma substituição consciente dos valores cívicos e prático-utilitários por valores que podem criar, num dia distante, a oportunidade de uma experiência de abertura ao sagrado! Essa Ética transparece na prática de atitudes ecológicas alternativas: uso de formas de energia não poluente, da agricultura biológica, terapias naturais, de técnicas meditativas, de uma nova abordagem da sua sexualidade na perspectiva sacral, tudo numa deliberada tentativa de auto-reeducação da percepção e de prática consciente de um panteísmo místico. Não só ao nível dos conceitos, mas fundamentalmente dos comportamentos e das decisões mais básicas de vida, que o tocam de forma mais concreta e imediata: na maneira como comemos, amamos, nos curamos, trabalhamos, nos relacionamos, rezamos e... morremos! Este elemento de atitude panteísta que a distingue do comportamento cívico de um ambientalista! Claro que isto não o/a torna num wiccan. Conheci ingénuas adolescentes que se vestiam de negro como Morganas de um filme televisivo serie B e se envolviam de diáfanos vestidos florais como se fossem fadas, eram vegetarianas, participavam em manifestações contra touradas, liam Scott Cunningham e faziam uns piqueniques na Serra de Sintra enquanto macaqueavam rituais tirados dos livros de Silver Ravenwolf e só por isso se auto-consideravam bruxas wiccan!
   Ser wiccan em matéria religiosa tem sido uma encenação misto de Benneton e contracultura, um pretexto saudável para beatas intoxicados de santidade new-age irem a celebrações e cursos de formação neo-pagã e wiccan como quem vai a uma missa ou á sinagoga. É isso o que você pretende? É o que se passa nas muitas igrejas wiccan na América que têm serviços religiosos como qualquer capela católica ou sinagoga judaica! Têm os seus sacerdotes e sacerdotisas como os outros têm os seus rabinos e os seus bispos, têm solenes rituais por vezes tão animados como um serviço religioso dos Hare Krishna, e estão legalizados como organização religiosa em alguns estados americanos como uma qualquer outra religião ou actividade comercial: seja a de Buda ou a de Bill Gates, de Cristo ou do Mc Donnalds, de Jeová ou da Benneton!
   O Wicca não é, em rigor, uma religião embora alguns americanos, com inclinação mais prática do que evangélica, a tenham tentado transformar num culto religioso neo-pagão semelhante, estruturalmente falando, ou a qualquer outra religião publica. A vantagem seria os meios jurídicos de defesa contra a difamação e humilhação dos wiccans pelos cristãos fundamentalistas americanos e a sua expulsão sem justa causa de escolas públicas e privadas onde são professores, como tem acontecido ultimamente nos USA.
   O Wicca, no entanto, para ser uma vivência transformativa implica a vivência de um intenso estado de religiosidade! Mas as duas coisas não são necessariamente a mesma coisa! Há algumas subtilezas que se devem aqui realçar, cujo desconhecimento tem levado a uma série de apressadas e inconclusivas afirmações. Trata-se da questão de definir o que é a religião. Uma religião é um culto público baseado na crença de um mundo sobrenatural com o qual é possível estabelecer uma relação de comunicação ou comunhão psíquica através de um conjunto de observâncias internas e externas, éticas e rituais, numa atitude de subalternidade, reverência e devoção. Isto põe logo um problema:

    * O Wicca não é uma crença mas um corpo de «Paradigmas» que são susceptíveis de, segundo um treino específico, desencadear uma experiência pessoal directa das forças supra sensíveis, pensadas estarem relacionadas com os cultos dos Deuses Coníferos e as Forças da Natureza!
    * O Wicca dá uma grande importância á Prática e ao papel da Vontade, dois aspectos próprios da Magia, como factor determinante da experiência mística, enquanto a Fé, que é constituinte fundamental da religião, é para ela totalmente irrelevante e não estimulada.
    * O Wicca nunca foi um culto público mas uma actividade mágico-religiosa privada, reunida em forma de clã místico e iniciático, fechado e privado, tipo "Loja" de Mistérios e desenvolvida entre pessoas unidas por laços pessoais de afectividade cerimonial, denominado por "Coven" ou Assembleia.
    * O Wicca não aceita uma postura de reverente subserviência nem devoção vegetativa aos seus Deuses, nem aceita a opinião teológica do pecado e da salvação característico do Cristianismo e do Islamismo, ou mesmo a crença na ilusão do mundo da natureza, como nos cultos orientais do Hinduísmo e do Budismo. Ninguém precisa de ser salvo, apenas de se desenvolver, crescer e transfigurar! E este mundo natural não é uma ilusão, mas uma bela e por vezes ameaçadora manifestação de forças cósmicas cujo espectro vai do mais denso até ao mais subtil e divino, num eterno continuum sem ruptura nem quebra.

E para baralhar tudo isto,
    * o Wicca não tem um sistema dogmático de crenças;
    * nem um catecismo ou um livro revelado;
    * e nem uma hierarquia superior elitista de bispos e cardeais, rabinos e ayatolas, nem um Papa Todo Poderoso.
   O Wicca tem um sistema de construção ritual, alguns paradigmas, e os bosques, mares e campos da terra. A sua finalidade é criar um espaço arquetípico, um novo complexo mítico e existencial, onde possa eclodir o sagrado no cerne da pessoa humana em sintonia com a natureza. A maneira como isso acontece...bem...depende da idiossincrasia de cada ser humano! A religiosidade wiccan não é nem uma incubadora colectiva nem uma sanduíche, onde se pode meter a humanidade inteira sem excepção. É essa a sua força, mas também a sua fragilidade. A fragilidade de se poder dissipar de um dia para o outro se o ser humano não tiver a coragem de passar da fase da religião de formigueiro para a religião individual e responsável.

 7 - Acabou de falar sobre várias formas de organização social dos wiccans: clã, coven e assembleia. Mas o que tudo isso significa? Há alguma diferença entre elas?
R: Actualmente pode-se dizer que existem as seguintes formas de organização social dos wiccans:
    * em forma de Coven ou Assembleia (socialmente fechada e de índole iniciática)
    * em regime de Circulo (socialmente semiaberta e de índole religiosas)
    * de forma associativa (totalmente aberta segundo determinadas regras de ingresso e de índole jurídica).

   A expressão Coven é muito antiga e é de origem latina vindo de "conventus", podendo-se traduzir pelas expressões portuguesas de conventículo ou conciliábulo, aliás designações com uma grande carga poética e que vem mencionada nos anais inquisitoriais espanhóis e foi apropriada por Goya num dos seus quadros durante a sua "fase negra". Essa é a expressão tradicional. O seu uso parece ter emergido das confissões da bruxa escocesa Isobel Gowdie, mas a sua generalização moderna no Wicca vem sem dúvida alguma das publicações pseudo-antropológicas de Margaret Murray.
   A sua estrutura corporativa apresenta-se sob a forma de família ou clã, em que as pessoas estão unidas por um pacto social entre si e um pacto espiritual com determinados princípios espirituais representados pelos Deuses patronos do Coven. O juramento de iniciação visa dar forma jurídica a esse pacto, a esse elo da cadeia entre o visível e o invisível. A sua regra é "perfeito amor e perfeita confiança" e esta aplica-se por isso somente ás características de um Conventículo. Daí o seu número ser muito pequeno e a sua cooptação ser muito restrita. Já vi escrito há poucos anos na internet, mais precisamente na Wtches Voices, por uma auto proclamada "HP" portuguesa que o seu Coven podia sustentar 400 pessoas, o que aliás é um absoluto disparate! Também vi já a expressão coven usada na net para a reunião de pessoas de inclinações filosóficas e religiosas heteróclitas, unidas por um laço de afectividade e que se encontram regularmente para cerimónias de índole mediunística ou religiosa, o que é um uso inculto, abusivo e ignorante desta expressão.
   O que define o coven ou conventículo é o pacto iniciatório e deve ser usado, por isso, apenas em agrupamentos do Wicca com regularidade iniciática e que existem num duplo universo: humano e transhumano.
   A forma de organização do Circulo, ao contrário do Coven, tem tendência a ser mais flexível e é aberta.
   Um Circulo é semelhante a um grupo de estudos de bons amigos que se reúnem em casa de um deles enquanto conversam e celebram animadamente, estudam e comentam os livros que leram. São por princípio tão abertos a estranhos quanto o pode ser um grupo de camaradas muito íntimos: depende do feitio e da reacção do grupo. Num Circulo pode haver um espírito grupo - ou espírito de grupo - muito forte, mas a diferença com a "alma grupo" de um conventículo é este ultimo se basear num pacto iniciatório com o mundo suprasensível.
   O Circulo não tem qualquer característica iniciatória e são reuniões pedagógicas e religiosas.

   A partir dos anos oitenta face á necessidade de unir os membros wiccans dispersos pelo mundo criaram-se também organizações que não tendo a função iniciática como um Coven, tem a função de estabelecer regras comuns de acção informativa ao publico e em particular á imprensa, criar mecanismo de defesa sob o ponto de vista jurídico de membros maltratados, organizar conferencias, adquirir livros a baixo custo, etc.

   Há várias organizações dessas, das quais a mais importante a nível europeu é a Pagan Federation. Ser membro desta organização não implica que você seja um iniciado regular dentro duma tradição wiccan ou qualquer outra neo-pagã, como o druidismo ou esatru. Basta que se conforme a um conjuntos de pequenos princípios neo-pagãos, demasiado gerais, para ser membro, seja ou não iniciado. Daí o carácter extremamente difuso desta organização, que não representa com rigor as organizações regulares do Wicca, mas apenas membros que se auto-denominam assim. Isto leva a um grande problema de saber o que realmente representa a PF em termos práticos além dum universo diluído de crentes neo-pagãos, a maior parte das vezes baseado em afirmações sem qualquer consistência religiosa ou cultural.
   A tendência no futuro será, julgo eu, separar as águas: organizações que representam a massa amorfa de neo-pagãos que se auto denominam wiccans e organizações unicamente vocacionadas para representar Covens regulares.

   Existem outras organizações também, como a Assotiation of Hedgewitches, mais vocacionada para abranger os solitários wiccan do Reino Unido, associações wiccan com empenho ecológico como o Dragon Project, e o muito importante Covenant of Artemis.

8 - A que se deve essa vossa constante exaltação das Forças da Vida como base motora do sistema mágico-religioso da wicca, quando a realidade nos revela a permanente presença da morte por todo o lado com as suas guerras, doenças incuráveis, cataclismos, genocídios, etc? Não acha isso uma contradição, para não dizer uma ingenuidade, em quem tanto valoriza espiritualmente a natureza?
R: Em primeiro lugar, essa valorização deve-se ao contexto histórico de emergência do Wicca na segunda metade do século XX : a Guerra Fria, a Guerra do Vietname, os problemas ambientais, as questões do nuclear, etc. Os anos setenta foram em particular um momento de luta, pelas gerações de vanguarda da altura, contra aquilo que na sociedade eram forças de aniquilamento e morte representadas por instituições políticas e convenções sociais. Associado a isso, uma multiplicidade de intelectuais saídos dos meios da cultura hyppie e envolvidos com a cultura pop reagiram sobrevalorizando as forças da Vida e uma Ética de regresso à Natureza, com a sua valorização da sexualidade, da musica, de formas pacificas e ecológicas de organização política e da prospecção livre das profundezas da mente, através de técnicas muitas vezes recolhidas nos povos mais primitivos, e de que o mito Carlos Castaneda é o mais celebre.
   A supervalorização das Forças da Vida, em particular representadas no Mito Feminino do Wicca Ecléctico, acabou por funcionar como uma ideologia motora da acção política, artística e espiritual, e é sem duvida Starhawk a primeira a pôr a questão da necessidade de uma acção cívica directa em grande escala pelo wiccan e Monique Sjöo e Marija Gimbutas a lhe fornecer o suporte pseudo-arqueológico.
   Este paradigma teológico-político está bem testemunhado no Duo Litúrgico representado pela Deusa da Fertilidade e o Deus Cornudo, e na forma como este último foi inferiorizado até atingir um papel secundário de Deus Consorte e Fecundador, Senhor do Reino dos Mortos, e por vezes até completamente eliminado como nas assembleias feministas.
   De certa maneira a ideologia feminista que utilizava os materiais wiccan inverteu a ordem de valores patriarcais no panteão da bruxaria neo-pagã, numa espécie de revanche á Jeová de Saias, forjando uma Deusa Omnipotente com um Deus semi-castrado. Foi preciso algum tempo para que o Deus Cornudo ganhasse de novo o seu papel fundamental sob o disfarce do Deus Verde, o Grande Iniciador dos Bosques, do Poeta e do Ecologista por excelência. Figuras como Pendarween, na esteira de Emerson, refugiaram-se nos bosques e testemunharam a sua existência como um impulso de iniciação e a Comunidade de Findhorn, na Escócia, nos fins dos anos sessenta, está associado á sua emergência como princípio motor espiritual de uma nova relação com a Terra.
   Mas por detrás da Força da Vida está inevitavelmente a Força da Morte que abre espaço e cria a tensão dinâmica para que ela possa eclodir, germinar e crescer. Sem a força da morte a vida é eterna gestação!
   Contudo quando falamos e exaltamos as Forças da Vida estamos sobretudo a lembrarmo-nos da planta arquetípica que Goethe estudou. A Planta como metonímia da natureza e de seus ritmos etéricos é o simétrico organísmico do ser humano segundo a Antroposofia, e que com o seu processo de crescimento em fases cíclicas de retracção e expansão através da progressão do caule e da folha, ilustra para nós wiccans todo o processo iniciático que encontra na morte a metáfora viva do processo de transmutação.
   O processo de iniciação wiccan é primeiro um encontro com as forças de vida representadas pelo primeiro grau iniciático e depois um encontro com as forças da morte que destroem o nosso velho e padronizado ego. Por isso é que o iniciado de primeiro grau é um Bruxo e Sacerdote: ele torna-se o servo das forças da vida. Sacerdote vem etimologicamente do latim sacere, isto é, servir. É por isso também, que o Iniciado desegundo grau é um Magister, alguém que tem a mestria, porque passou pela transmutação da Morte. Assim um Wiccam Iniciado de forma tradicional e regular é simultaneamente um Servo da Vida e um Mestre da Morte.
   Isto é muito interessante porque no Wicca Tradicional a Iniciação, ao contrário dos grupos iniciáticos da "velha era", como a tradição rosacruciana e maçónica, o primeiro patamar de transfiguração não é um encontro com a morte mas um encontro com as Forças de Vida...mas as Forças de Vida num estado de excesso tal que pode alargar a nossa percepção cognitiva. Só depois desse acontecimento é que advém então a Morte Iniciática.
   É preciso passar pela Morte, no sentido do êxtase e da loucura que o excesso de Vida propiciou, para emergir mais tarde como um Outro. Esse "Outro" que a Iniciação Wiccan quer alcançar é o Deus Cornudo, sigilo oculto do Andrógino, de Baphomet, e que o poeta simbolista Rimbaud exaltava, no fim do século dezanove, entre a geração simbolista francesa.
   Não poderemos escapar nunca no entanto á morte na medida em que é um processo que não podemos controlar, apenas tentar compreender! A morte a que os wiccans se opuseram durante o período da guerra fria era essa "morte" exaltada pela sociedade injusta, subproduto da ideologia cristã, que por ter desvalorizado o mundo natural e as suas forças de vida criou uma moral puritana que se está nas tintas para a exploração do homem pelo homem, da natureza pela humanidade, e da mulher por religiões misóginas, gerando a pobreza, a poluição e a infelicidade.
               
9 - Porque não usa pura e simplesmente a expressão "religioso" em vez da expressão "mágico-religioso" quando se refere ao Wicca? Não são duas coisas contraditórias?
R: Como sabe a expressão religião quer dizer re-ligar! Toda a gente sabe isso! Mas genericamente distorce a seguir o seu sentido afirmando que ela religa o homem com Deus. Na realidade a religião liga os homens entre si na base dum princípio moral superior celebrado, por exemplo, na missa: é esse sobretudo o sentido do "sacrifício" que aí é celebrado. Daí a experiência religiosa se ter tornado num conjunto de costumes, normas e convenções sobre o corpo e a consciência.
   Uma Religião existe sempre em função dum grupo, duma comunidade, ou da humanidade, na sua relação com o Transcendente como no Cristianismo. Por isso ele se pretende seu vigilante e evangelizador nas suas reacções múltiplas contra o aborto, o uso de preservativo, nas injustiças sociais, etc. Para a Religião a humanidade deve conformar-se inteira à maneira como ela institucionalmente interpreta a Lei Divina. A Iniciação, ao contrário, existe sempre em função do cerne do Indivíduo e para o Indivíduo. É o Divino dentro do Indivíduo que é a sua única Lei.
   A Religião apoia-se na Fé para impor a sua verdade indiscutível à humanidade e a Iniciação apoia-se na Vontade para acordar a verdade intrínseca do seu destino como inseparável do Divino.
   O que determina o processo de Iniciação é um acto de Vontade dinamizada pelo ritual e a meditação diária que transfigura a consciência do indivíduo fazendo-a resvalar para um outro estado onde pode comunicar com os princípios arquetípicos ou as forças divinas dentro dele e tornar-se assim seu Portador. Daí o epíteto que se dava aos Altos Iniciados antigamente de "Portador do Fogo", isto é, Lúcifer! Ele torna-se o Portador da Luz e do Fogo dos Mistérios do Paganismo Antigo. Pelo contrário, a Religião no seu misticismo depende de um estado de graça concedida arbitrariamente pelo seu Deus, e de um sacrifico completo do seu Eu para o receber por inteiro.
   Visto de outro ângulo poderia dizer: a Religião vê Deus fora de si e apela para a sua misericórdia, o Iniciando vê Deus dentro de si e apela para a sua força de vontade para o desenterrar das profundezas do seu Eu. Tudo gira á volta de si mesmo na Magia, porque os "deuses" e os "demónios" existem dentro de nós, somos nós próprios ao fim e ao cabo, somos essa parte inconsciente e embriológica que existe dentro de nós.
   Lembra-se do pentagrama de que lhe falei há pouco? Ele era o símbolo do Microcosmo desde Agrippa e Paracelso, isto é, o ser humano era entendido como uma miniatura do universo. Isso queria dizer que tudo que existe no universo desde Deus ao Diabo existe dentro de nós, e é aí que os devemos procurar e encontrar. Isto foi uma ideia extremamente revolucionária para a época, quando a Igreja se julgava a voz de Deus, o seu juiz e o seu carrasco. Na Instrução (Charge) da Deusa no Wicca Ela diz: "se o que procuras não o encontras dentro de ti próprio então nunca o encontrarás fora de ti mesmo". Assim, quando eu uso a expressão "religioso" quero dizer que é uma experiência de activa religiosidade determinada pela minha vontade, isto é, produto não da minha fé mas de um processo de experimentação cognitiva que é apanágio da Magia. Ser religioso implica esse elemento de responsabilidade, honestidade e... absoluta liberdade.
   Ao aplicá-la ao Wicca quero dizer que o wiccan tem uma religiosidade que é fundamentalmente mágica: na ressantificação do mundo natural e do cosmo e do seu corpo que é uma síntese desse cosmos e que ele abençoa pela quíntupla-bênção nos ritos. Não é então a vontade do Grande Sacerdote, como vemos na Missa, nem da Grande Sacerdotisa como vemos nas assembleias feministas do Wicca e que apenas reproduzem o padrão cristão mudando o sexo da sua divindade. É a minha Vontade. O meu corpo. O meu espírito.

10 - Que curioso! Vocês wiccans abençoam o vosso corpo? Porque o fazem?
R: Bem...o nosso corpo é a chave de todo o sistema wiccan. Lembra-se daqueles livros de bruxaria chamados grimórios que se vendiam pelas feiras da Europa, do género "O Livro de S. Cipriano"? Num deles, "A Filosofia Oculta", encontra um pentagrama onde está inscrito o ser humano como símbolo do Microcosmo, sugerindo a natureza ígnea, estelar, divina, da humanidade. Quando se olha para a figura dá-nos a maravilhosa sensação de que ele está a planar na folha com os seus cabelos soltos ao vento, ou no ar se quiser!
   Na altura quem planava assim eram apenas as bruxas visionárias e Agrippa, o autor do livro, confessa que o escreveu baseado em viagens através da Europa por onde conheceu bruxas que lhe haviam comunicado o que ele escrevera. Isto além de ser muito interessante era também uma bela provocação à intelligentsia de então, porque Agrippa era um grande erudito, equivalente na altura ás sumidades do tipo Einstein. Toda a gente que se veio a interessar nos séculos vindouros pelo ocultismo viu essa figura, e outras semelhantes, impressas nos livros de ocultismo.
   Nunca ninguém parece ter dado importância ao facto do ser humano ser aí representado... NU! Pensou-se que era uma convenção artística típica do Renascimento. O que era natural: a nudez escultórica e pictórica tinha invadido todas as áreas...até as igrejas, e dela já não davam conta mesmo que tropeçassem com ela de frente. Há anos atrás, quando passei pelo norte de Itália, resolvi visitar a Catedral de Pádua onde está sepultado o nosso Santo António de Lisboa. Para lá entrar foi uma rocambolesca aventura: dois furibundos funcionários saídos dos tempos da Inquisição não me deixavam entrar porque estava vestido com uma t-shirt e uns calções que me desnudavam os braços e os joelhos, e desse modo tão "despido" iria ofender um lugar santo. Vesti uma aparatosa camisola de lã e umas velhas calças que me emprestaram, e lá entrei. Tal não foi o meu espanto ao descobrir que o interior da catedral estava cheio de belíssimas esculturas renascentistas de santos completamente nus, com o falo descaradamente á mostra, belas representações femininas sem uma ponta de roupa que noutra altura excitariam os meus sonhos húmidos, de tal maneira que já não sabia se tinha entrado numa igreja ou num bordel.
   Como vê: não ver a nudez mesmo debaixo do nosso nariz é muitas vezes uma espécie de miopia conveniente. Na cultura ocidental existe inscrito semiologicamente sobre o corpo natural um segundo corpo: o da cultura. O corpo natural volatilizou-se no corpo da escrita, no corpo da ideologia, no corpo político e nacional, enfim, partiu-se em fragmentos irreconhecíveis no abstracto do universo cultural. Esse corpo da cultura, sobre o qual tão sabiamente escreveu o nosso filósofo José Gil, é a parte da sociedade que subsiste em nós e nos determina na nossa maneira de existir e compreender. Mesmo nu o corpo pode estar vestido, isto é, o corpo pode não ser visto como nu mas codificado culturalmente como se fosse um outro corpo.
   Na moda moderna o acto de apresentar um corpo desnudado numa passerelle sem ver nele a sexualidade que nos sobressalta o desejo, foi bem ilustrado num célebre filme de moda quando termina com uma passagem de modelos completamente nus e observados estoicamente pelo público com a mesma indiferença com que estivessem a ser vistos vestidos. Entre um corpo nu que se olha indiferente como ele estivesse vestido, ou um corpo vestido que se sabe que não está nu, não há semiologicamente falando grande distância semântica: são signos iguais. O elemento perturbador da sexualidade pode estar ausente. Mas isto nem sempre é tão linear...e se o é, isso passa-se apenas na nossa mentalidade ocidental.
   Recordo-me que um dia no Cairo ao pôr a questão a um comerciante de antiguidades sobre o dilema sexual do seu povo, o dos homens e mulheres estarem perpetuamente cobertos como se fossem mesas de jantar com toalhas, ele dizia-me irritado: "Ah, você é um europeu, não percebe nada disto, não sabe ver o que existe de excitante numa breve sugestão do corpo na djellaba de uma mulher...nessa brevidade de tempo em que se vê um pedaço de corpo, visto pela sugestão do tecido que se molda ao movimento da sua coxa e ao saltear do seu seio, está a visão do corpo inteiro...e a eternidade que um dia se pode nele alcançar!". Fiquei maravilhado com a sabedoria do venerando homem, que não havia conhecido uma única mulher em toda sua vida de septuagenário!
   Levantar o verniz desta socialização sobre a nudez sexuada do corpo permite que reencontremos o corpo da natureza: o corpo dos instintos e das sensações, o corpo dos sentidos. O Deus dos Bosques que persegue as raparigas pela Primavera para as violar na mitologia grega arcaica, isto é, as iniciar nos mistérios do amor, representa esse instinto que é simultaneamente força de vida e força de transfiguração! O nosso escritor José Régio escreveu um livro muito bonito que se chama: "Andam Faunos Pelos Bosques". É sobre esse alvoroço que o bosque desencadeia no corpo, por que é parente do nosso corpo da natureza, que ele descreve! Isto é muito blakeano: foi Willian Blake, pelo que penso, a inaugurar a ideia de que os cinco sentidos eram o portal cognitivo da alma, e que o corpo no seu estado de nudez era uma analogia do céu. Gerald Gardner veio a designar o estado de nudez cerimonial nos ritos wiccan por "vestido do céu", uma expressão hindu conhecida por dijambara e que ele encontrara na sua estadia no Extremo Oriente nos praticantes dos ritos tântricos. Ou então, apenas a lera nos livros do seu contemporâneo Arthur Avalon.
  O desenho de Agrippa quer dizer o mesmo, "vestido do céu". Se vir bem, está inscrito nele os sete planetas do nosso antigo sistema solar, o "céu" dos alquimistas.
   Num ritual wiccan a nudez é, confesso, de sentido relativo...mesmo quando se está completamente nu. Na verdade, os braceletes que adornam os braços masculinos e femininos, os colares, os olhos maquilhados, alguns até tatuados, cerimonializam o corpo, "vestem-no" de uma maneira tão subtil, que é difícil olhar para um corpo assim desnudado sem ter uma espontânea atitude de reverencia. Saudar o corpo é, assim, um acto religioso (lá voltamos nós ao caso bicudo da religião) de reconhecimento das Forças de Vida de que ele é criado e feito. Só tendo experimentado um dia a religiosa comoção desse acto numa cerimónia wiccan, é que podemos dizer como Diane Stein, em "Casting the Circle", que ele é o acto mais sagrado de todos os actos litúrgicos wiccan. Mesmo para um wiccan completamente solitário, o acto de estar nu/a num ritual onde só ele/a existe e ser ele/a a abençoar o seu próprio corpo, exerce um efeito libertador e terapêutico que nos espanta.
   Isso deve-se ao facto de sobre o corpo existirem uma imensidão de tabus e transgredi-los por um acto religioso equivalente é incrivelmente aliviante e santificante. No tempo de Gardner, os anos quarenta e cinquenta do século vinte, quando ainda nem sequer se podia imaginar a revolução que a Mary Quant e Corréges iriam fazer com a minissaia, era também um acto sacrílego...e por isso ainda mais sagrado. Só experimentando esse sacrilégio poderemos compreender essa sua dimensão de santidade, há tanto tempo esquecida!
   Já o bispo galaico-português Prisciliano tinha, entre nós, praticado a nudez cerimonial com as suas missas desnudadas nos bosques e que tanto escândalo deram aos bispos hispânicos. A sua iniciação por uma mulher chamada Ágape de Barcelona, mostra estranhas semelhanças de modelos de nudez religiosa do século III com alguns dos paradigmas mágico-religiosos do Wicca neste século vinte, aqui mesmo no nosso ignoto Portugal. Daí o seu destino infeliz: o de ter sido condenado e degolado como herege e perturbador da ordem publica cristã.

11 - O que distingue a Bruxaria (Witchcraft) da Feitiçaria (Sorcery) no Wicca? Ou são ambas a mesma coisa?
R: São duas coisas diferentes, mas que têm ambas o seu papel e lugar dentro do Wicca. Comecemos pelo princípio para perceber a questão. Foi, pelo que parece, a egiptóloga Margaret Murray a primeira, no seu marcante livro The Witch Cult in Western Europe em 1921, a fazer a distinção entre Bruxaria Operativa e Bruxaria Ritual, englobando na primeira expressão tudo o que era feitiçaria com o seu rol de encantamentos e feitiços, fossem ou não fossem professados por um cristão, e no segundo o conjunto heterogéneo de rituais, liturgias e crenças exclusivamente pagãs e que haviam sobrevivido, durante os tempos medievais, sob o epíteto global de Bruxaria. Mas este dualismo na bruxaria já tinha sido sugerido no contexto das tribos Azende por Pritchard. De qualquer maneira essa sua opinião veio a influenciar Gerald Gardner.
   Mas, nos países continentais fora do âmbito anglo-saxónico, em particular onde predominam as línguas de base latina, os dois termos têm sido usados como sinónimos. Em Portugal é isso que tem acontecido, excepto por Moisés Espírito Santo que utilizou esta diferença semântica para a abandonar mais tarde, provavelmente por a achar inadaptada ao caso português, onde parece não se poder encontrar claros vestígios pagãos nas práticas da feitiçaria popular. Não é essa, no entanto, a opinião de uma autora como Dalila Pereira da Costa num livro como "A Serpente e a Imaculada" já desde 1984. Os autores mais recentes que se têm debruçado sobre a bruxaria popular em Portugal, como Elvira Lobo em "A Doença e a Cura" ou José Garrucho no seu "As Bruxas e o Transe", continuam ainda a lavrar nesta confusão terminológica.
   O Wicca é o resultado de três elementos integrados, que formam um todo arquetípico de características mágico-filosóficas chamado por Wicca:
    * um sistema mágico-religioso, de inspiração neo-pagã, constituído por liturgias, consagrações, invocações, ritos de passagem, etc., e que constitui o "corpus" semântico do que habitualmente se designa por religioso sob o ponto de vista formal;
    * um sistema mágico-iniciático, que visa a transfiguração do ser humano à imagem do Deus Cornudo, símbolo da completa integração cósmica e natural do ser humano.
    * um sistema de feitiçaria tradicional, em que considera a limitada condição sociológica do ser humano como relativa e procura transformá-la positivamente segundo as leis cíclicas subjacentes aos processo de mudança que vemos na natureza.
   Se a Bruxaria é a dimensão mágico-iniciática do Wicca, e o seu neo-paganismo é a vertente religiosamente litúrgica, então o uso de placebos rituais em encantamentos, feitiços, talismãs, etc., é verdadeira Feitiçaria, no sentido que ela tem na expressão latina de "faciar", isto é, fazer.
   Nós wiccans estamos convencidos que o destino humano pode ser alterado quando em harmonia com o mundo natural. Não há necessidade de estarmos perpetuamente condenados a uma condição de imutável mediocridade.
   Todos nós wiccans estamos perfeitamente convencidos que não devemos aceitar submissamente a mediocridade da nossa existência e temos o poder de a transformar de forma positiva. A ética wiccan está em fazê-lo em pleno respeito com a integridade física e psíquica não só dos seres humanos mas de todas as criaturas.
   A Deusa da Fertilidade e da Natureza ou, como também se costuma dizer, do Circulo do Renascimento, sugere que podemos mudar os processo de vida padronizados em que vivemos se os tentarmos fazer á luz da sua natureza cíclica e arquetípica, que é sempre mudança como a Lua. Colocar a nossa vida limitada e medíocre dentro desse Circulo de Renascimento é permitir que processos mineralizados e ossificados de vida e consciência se possam flexibilizar, abrir, brotar e renascer num contexto novo: esse é o fim da Feitiçaria por excelência. Por isso, nós invocamos a Grande Deusa pela bela invocação herdada de Shelley e Aleister Crowley: "Pela semente e a raiz, o talo, a folha, a flor e o fruto, nós Te invocamos...".
   O destino humano não é uma pedra nem um fóssil: como uma planta ela pode viver processos de crescimento e mudança sempre renovados em todas as áreas: o amor, o trabalho, a criatividade, etc.
   Veja sempre esta fórmula como essencial para compreender a complexidade do Wicca:
Wicca = Misticismo Neo-Pagão + Bruxaria + Feitiçaria
   Dizer que o Wicca é a religião neo-pagã e a bruxaria uma sua parte acessória, que se pode descartar do seu sistema sem que isso tenha qualquer importância, é uma presunção pudica e sem respeito pela sua identidade, correndo o risco de a dissolver e a descaracterizar em formulas new-age, típicas de «paganismo para dona de casa». A sua força e glamour vem precisamente desta fusão holística.
   Para o perceber, faça o seguinte exercício intelectual: retire por exemplo o segundo e terceiro termo da equação acima mencionada e conserve apenas o primeiro. O que terá? Terá um tipo de neo-paganismo como o Druidismo! Retire depois o primeiro termo e conserve os restantes, o que tem? Terá os exemplos de Hetheanismo e de Xamanismo. Finalmente, retire os dois termos iniciais da equação e fique só com a terceira, e o que tem? Tem apenas todos os tipos de feitiçaria existente em todas as religiões do mundo, independentemente do seu credo, e que pode encontrar todos os anos, por exemplo, representados em encontros de feitiçaria e curandeirismo como os de de Vilar de Perdizes!
   Só o Wicca é o somatório de todas elas!
               
12 - Ah, então o Wicca é mesmo um culto neo-pagão como os que encontrei nos meus estudos de historia e mitologia?
R: O Wicca, volto a realçar, não é um culto no seu sentido religioso mas uma técnica mágico-religiosa de índole iniciática.
   Nem todos os cultos neo-pagãos se enquadram no figurino iniciático do Wicca. Os Deuses da Wicca são os antigos Deuses e Deusas Cornudos. Esta é uma regra importante a não esquecer!
   Tem acontecido que as formas neo-wiccans de fundo ecléctico celebram deuses/as múltiplos/as e variados/as, de panteões heterogéneos, numa espécie de cocktail mitológico. Sob o ponto de vista religioso estas celebrações são formas de divertimento ritual úteis para cimentar os laços de um grupo, mas sob o ponto de vista mágico são nulas: já tentou sintonizar no seu rádio várias emissoras ao mesmo tempo? É impossível não é?
   Por outro lado nunca terá encontrado sequer o culto do Wicca nos seus livros de história. Ninguém sabe ao certo como eram os cultos dos povos agrafos, e mesmo daqueles que usavam a escrita regularmente como os gregos, que são os que conhecemos melhor, ignora-se a forma correcta das suas Religiões de Mistérios e faltam-nos muitos elementos para a sua compreensão até mesmo dos cultos públicos executados pelos seus reis e magistrados.
   O Wicca usa nos seus rituais sistemas de indução da metamorfose da alma do ser humano baseado em regras construtivas de carácter esotérico. Ela é inspirada em fórmulas numerológicas e princípios cíclicos que se encontram em todos os processos cíclicos de mudança da natureza, e que muitas sociedades arcaicas e os construtores de templos medievais usaram. Criar um ritual é mais um caso de engenharia sagrada do que de história das religiões.
   O nosso sistema wiccan baseia-se em critérios matemático-simbólicos que eram aplicados na arte pictórica e arquitectónica sagrada tal como vemos ilustrado no "número de ouro", por exemplo, mas também pelo povos arcaicos como se vê implícito em monumentos megalíticos como Stonehenge.
   Daí a sua designação como Arte ou Craeft da Wicca.
  
13 - Quais as cerimonias que se fazem dentro do Wicca?
R: A forma como me coloca a pergunta é interessante! Sabe que a expressão "cerimónia" é uma expressão de origem latina aplicada aos cultos de Ceres, a Deusa romana do grão dos cereais? E isso é tanto interessante quanto os nossos rituais são verdadeiras "cerimónias" no sentido mais profundo da palavra, isto é, rituais à volta do grão, da semente! A semente é para nós a epifania do ser, do espírito divino dentro de nós e que pela miopia dos nossos condicionamentos já não vemos nem reconhecemos.
   É ela que é simbolicamente semeada e germinada nos nossos rituais Lunares, a que chamamos de Esbates, para que possa crescer e frutificar, morrer e renascer nos nossos Sabates.
   Como nas festas de Ceres eles visam ajudar ao seu despertar das profundezas da terra gelada do Inverno, da natureza enregelada da personalidade humana e do escuro inconsciente da sua alma. Lembre-se que eles eram celebrados em Fevereiro, quando se preparava para semear a terra recém desperta, e animá-la com o seu regozijo de alegria!
   Mas nós temos dois tipos fundamentais de cerimónias que apelam a dois aspectos do nosso ser: os Esbates e os Sabates.
    Os Esbates referem-se ao impacto da relação cíclica dos Luminares, o Sol e a Lua, sobre o nosso mundo subliminal e inconsciente da Alma.
   Os Sabates celebram o seu impacto sobre o mundo do nosso espírito, visto enquanto reflectido na Terra.
   Embora o Sol esteja sempre presente nos nossos ritos, porque sem ele não existiríamos e nem haveria o propósito latente da evolução, os Esbates estão centrados á volta da Deusa da Lua e realizam-se nos dias de Lua Cheia.
   Os Sabates estão centrados no Deus da Terra enquanto reflexo do Sol Espiritual.

14- Mas, então o que são os Esbates e os Sabates?
R: Eu disse que os Esbates se realizavam no dia de Lua Cheia, recorda-se? Recorda-se, quando nos contavam que no dia de Lua Cheia os loucos se exaltavam e a sua loucura se tornava ainda mais delirante? O papel da Lua Cheia é trazer, invocar das profundezas do nosso inconsciente antropológico essas forças nocturnas e primitivas que eram encarnadas em certos Deuses Arcaicos, ou como é moda hoje dizer-se, em certos Arquétipos, e fazer-nos recordar essa parte primitiva do nosso mundo íntimo soterrada sob a mascara do nosso eu empírico e socializado.
   Esse acto liberatório é uma fonte inesgotável de poder e santidade. Não ria! Trata-se mesmo de santidade! É o percurso sinódico da Lua e o seu culminar cósmico na Lua Cheia que ajuda a libertar esse potencial de auto-transformação. Os nossos ritos desenvolvem-se então segundo certos "tempos cerimoniais", pautados pela Lua e o Sol em relação á Terra, quando as diferentes dimensões do nosso Ser Profundo podem mais facilmente entrar em sintonia.
   Mas, então, o que são os Sabates, perguntar-me á? Eu começaria por lhe realçar o seguinte para melhor perceber o que lhe vou explicar a seguir! O que caracteriza, sob o ponto de vista da Iniciação, o homem profano é o facto de viver apenas em algumas dimensões periféricas e específicas da sua pessoa, e usar uma fracção das suas potencialidades inatas. Seria possível eu poder libertar-me do que o filosofo Herbert Marcuse chamava a "unidimensionalidade do ser humano"?
   É essa possibilidade de pluridimensionalidade que os Sabates celebram no processo cíclico de metamorfose da Terra! O figurino desta multiplicidade é ao fim e ao cabo o Xamã, esse ancestral do bruxo e do feiticeiro moderno: ele era poeta, curandeiro, feiticeiro, sacerdote, caçador, guerreiro, etc.
   Mas dirá também: então o que é que isso tem a ver com a ideia dos Sabates serem festas agrícolas e celebrarem o ciclo de fecundidade da terra? A fecundidade que celebravam não era propriamente a Terra, no sentido amorfo e abstracto da palavra, mas a dos cereais, que desde os povos do Mediterrâneo era o representante do Espírito do Sol.
   Nos Sabates o Sol é visto sempre reflectido na Terra, particularmente sob a forma dum cereal ou de alguns animais como o Bode, o Veado e o Leão, e não lá longe, no cimo inacessível do céu, mas ao nosso lado e á nossa volta, nas florestas e nos animais, nas arvores e nos elementos. Vemo-lo imanente na natureza e não transcendente, distante de nós!
   Eu julgo que isto corresponde a uma época arcaica de evolução em que os homens eram clarividentes, pelo menos era essa a tese de muitos autores como René Guénon e Rudolf Steiner. Eles sentiam, por isso, as forças solares resplandecendo à sua volta no mundo da natureza. Mais tarde a clarividência atávica atrofiou-se e essas forças numinosas afastaram-se da nossa compreensão e começamos a senti-lo distante. É então, que nasce uma ânsia de o alcançar e com ele atingir esse estádio antiquíssimo em que éramos parte do todo universal.
   No Wicca nós agimos como se estivéssemos ainda nessa época. Há razões para o fazer! A nossa época apresenta características muito semelhantes à de então, porque as forças de clarividência dos povos e a ânsia de regressar a fases de civilização imbricadas na natureza que lhe estão associadas, está a regressar como possibilidade de experiência e conhecimento. A impotência das religiões patriarcais está em não saber lidar com esse factor, porque foram feitas para um tipo de homem que sentia (ou ainda sente) falta de um intermediário consagrado para se aproximar outra vez do Sol, do Espírito Divino.

15 -Então qual o aspecto desse vosso Deus Solar?
Sabe qual é o aspecto do nosso deus solar não sabe? Não se ria...sabe perfeitamente como ele é, ou imagina pelo menos! Com os seus chifres galhados de cervo com sete ramos como se fossem as sete forças planetares, o seu rosto maduro e barbudo, o seu sorriso matreiro e os seus cascos de bode e... não tenha medo de o saber: o seu falo erecto! Claro, o seu falo erecto!.. o nosso Deus não é um deus castrado mas um deus viril!
   Sabe quem é esse Deus e como é representado na Grécia Clássica? Não! Não é Pã! É Hermes! Hermes refere-se a Mercúrio, o símbolo simultâneo da racionalidade e da memória na astrologia mas também da fertilidade com que era representado nos postes fálicos chamados Hermes e onde as raparigas se esfregavam para serem férteis. Sabe que isso não é, no entanto, apenas grego! Em muitas partes do mundo esses mastros cerimoniais de propiciação da vida, saúde e fertilidade existem com a mesma semelhança!
   Sabe que em Portugal, precisamente perto do Porto, na Murtosa, na capela de S. Gonçalo no lugar de Bunheiro, as mulheres chegavam diante do santo na Igreja e levantavam a saia para propiciar a cura, e houve mesmo uma jovem que a todo o custo tentou rezar nua na capela para curar os cravos que lhe tinham coberto o corpo. Na foz do Douro, em Gaia, havia uma grande pedra onde as mulheres se rebolavam, muito polida de tanto as mulheres nele se esfregarem. Os etnógrafos do século passado chamavam-lhe a "pedra da fertilidade". Elas montavam a pedra e deslizavam com o corpo nu debaixo das saias pela pedra abaixo. Deviam ficar completamente esfoladas com tanta ânsia de serem mães, coitadas! Existe também, muito perto da ermida romano-gótica de S. Domingos em Armamar, um conjunto de pequenas rochas graníticas onde os casais estéreis vinham dormir e fornicar na ânsia de terem filhos. Foi assim que o nosso Rei D. Afonso V, o Africano, veio com sua esposa D. Isabel e nele concebeu a Princesa Joana.
   Essa pedra fálica é Hermes, o Cornigero como era representado nas suas versões arcaicas. Este Hermes-Mercúrio está sempre tão próximo do Sol que nunca o podemos ver, nem mesmo á noite, de tanto ofuscado ele está pelo seu esplendor solar! Mercúrio tem uma distância orbital do Sol de 28º e é um análogo dos 28 dias da Lua. Muito interessante, não é! Percebe porque a Lua e Mercúrio são pares rítmicos? De certa maneira Hermes é o Sol, mas num nível mais terreno!

   É interessante realçar que na sua origem, antes de Heródoto, lá pelo tempo de Homero, ele tinha cornos e lhe erguiam Mastros fálicos em sua homenagem, e como Hécate também ele regia os caminhos: os que vinham do inferno para o céu e vice-versa! Ele tornou-se o Deus da Magia e o Patrono da Alquimia! Não acha estranho um deus tão viril e inteligente transformar-se neste papel? É nessa relação entre a libido dos órgãos sexuais e a cabeça dos órgãos cerebrais que está o mistério da antiga bruxaria!
Ora, por detrás do nosso Deus Cornudo está Hermes! Também ele está associado a uma Deusa Nua como a nossa Deusa do Wicca. Refiro-me a Afrodite, de cujo filho nasceu o Hermafrodita, o Andrógino Primordial ou o Adão Cadmon, como lhe chamam os cabalistas. É pela união de Hermes e Afrodite que se pode reconstituir o estádio de unidade original. Ora os sabates referem-se a este Hermes, que também é um multifacetado, e que vai aos Infernos buscar Perséfone, que por vezes parece ser uma outra faceta de Afrodite por intermédio do mito de Adónis e do mito de Psique.
   Através dele circulamos por secções específicas do ano e do universo visível da nossa estrutura suprasensível, tomando como relógio o calendário antigo da agricultura. Sabe porquê? Porque Hermes e Perséfone estão ambas ligadas ao mistério do Cereal-Sol em Elêusis. Como não podemos ver o Sol de frente, e ainda muito menos o Sol Divino dentro de nós, então podemos ver a Semente de centeio, que é a sua hierofania! Essa semente cresce e transforma-se, e com ela também a terra e o ano, mudando de face como a Lua sua Mãe.
   Ele tem Oito Faces e chamamos-lhe os Oito Sabates da Roda do Ano. O único a perceber este Mistério no tempo de Gerald Gardner, que apenas nos deixou fragmentos superficiais sobre os Sabates, foi sem duvida Aleister Crowley e Rudolf Steiner.
   Eu gostaria de terminar com uma provocação á laia de iniciação. Aí vai: a representação destas oito faces está claramente transcrita na imagem do Arcano "Luxúria" do Tarot de Crowley. Aí você vê a Besta e a Babilónia, ou Therion e Babalon, e notará que a Besta tem Oito Faces. Não se surpreenda...tem mesmo OITO FACES, se contar com a de traz representada pela cabeça solar da Serpente. A Deusa Babalon monta a Besta, mergulhados nas trevas suavemente iluminadas pela luz lunar que desce até á sua taça elevada pela sua mão direita estendida um estado de langor. Pela rédea ela comanda com a mão esquerda abaixada a remersão dessas forças adormecidas dentro do Leão e com a outra mão erguida recebe a Luz. Esta é uma mensagem cifrada que no tempo presente é a Mulher ou, para ser mais exacto, o aspecto feminino da natureza humana que recebe a Luz do Sacerdócio Antigo. Ela está em transe ou em estado de entusiasmo místico e toda a mensagem sub-repticiamente fala do poder da sexualidade sob o sigilo do Leão-Serpente como o Poder que unifica o Céu e a Terra, o Macho e a Fêmea, Hermes e Afrodite, e os sintetiza na Grande Obra mágica do Andrógino!

16 - Porque é que o Pentagrama é o emblema da Wicca e o usa tantas vezes quando tem de explicar algum tema da Wicca, nos seus livros, textos e conferências?
R: O Pentagrama funciona para nós wiccans como um modelo arquetípico que nos permite entender processos de vida e de consciência aparentemente irracionais, e lhes descobrir lógicas ou semânticas, que a racionalidade de outra forma não tem aptidão para tornar inteligível. Ele ajuda-nos a "ver" como os processos de vida se articulam com os processos de consciência e interagem entre si.

   Mais: ajuda-nos a sermos parte do Todo e simultaneamente o Todo de Tudo, a entender o real e o irracional como partes complementares do universo. Na realidade vivemos de tal maneira submersos no nível da nossa consciência empírica, que tudo o que saia fora da racionalidade e do bom senso se torna incognoscível.
   O Pentagrama funciona, então, como uma espécie de superstrutura cognitiva, de mântica, permitindo compreender os padrões não racionais que existem por detrás de todos os fenómenos que não entendemos.
   Vou ser mais específico: por exemplo, a maior parte dos rituais para serem espiritualmente efectivos precisam de ser de alguma maneira estruturados sob o simbolismo do quaternário, para que possa emergir a quíntupla dimensão dentro dele e o pentagrama se revele. A quíntupla dimensão de que falei é o mundo etérico dos ocultistas e das forças formativas do cosmos e que são a base de todos os fenómenos físicos e para-psíquicos.
   Por isso há numerosos mistérios associados ao número cinco, por exemplo: alem da quarta potência da incógnita as equações não podem ser solucionadas por meios algébricos, isto é, por uma lógica esquematista e quantitativa como aquela que usamos no nosso mundo prosaico. E, por exemplo, os líquidos devem o seu estado muito particular de fluidez a uma organização em torno do número cinco. Mais: na teoria matemática dos grupos, por exemplo, é preciso inventar novos processos algébricos sempre que nós deparamos com o número cinco. É interessante não é?
   Assim, o Pentagrama é muito importante para nós bruxos wiccans tradicionais. Mas não pelas razões que muitos eclécticos divulgam e que foram plagiar às tradições da magia cerimonial: a de que seria a representação dos quatro elementos sob a regência do Espírito Divino.
   Como o universo tem somente quatro dimensões, três de espaço e uma de tempo, e como jamais podemos saltar para a quinta dimensão do mundo supra sensível a não ser pelo transe, então o pentagrama auxilia-nos a reencontrar correspondências criativas para tornar inteligível a aparente desconexão do nosso mundo tangível, sem necessidade de entrar num transe.
   Como vê o que se tem escrito sobre o Pentagrama e a sua relação com o Wicca é apenas tralha literária e um conjunto de banalidades e lugares comuns. Repetem-se uns aos outros dizendo que este se refere aos quatro elementos e ao éter. É verdade que o Pentagrama tem a ver com os quatro elementos e o éter... ora, isso toda a gente sabe e não é preciso fazer uma página na internet para o declarar como se fosse um grande mistério!
   O grande mistério, alem do que acima revelei, é o de na Wicca Tradicional a importância dos elementos estarem associados á acção das forças formativas ou etéricas num contexto de metamorfose alquímica da matéria e da consciência. A sua rotação nos rituais é pura magia alquímica, pela interacção das Polaridade do Duo Sacerdotal encarnando as forças do Enxofre e do Mercúrio alquímicos, do Sol e da Lua.       
17 - Como foi introduzido o Pentagrama no Wicca?
Bem... repete-se constantemente em coro que veio da Maçonaria. Mas não veio de forma alguma da Maçonaria! Embora Gerald Gardner fosse um Co-Maçon!
   É que o Pentagrama da Maçonaria é o Pentagrama Flamejante e não o nosso Pentagrama.

   O Pentagrama veio, provavelmente, dos grimorios de bruxaria medieval, já que a primeira redacção do Livro das Sombras, a chamada "versão A", foi extremamente influenciado pelas Clavículas de Salomão, como aliás o primeiro livro de Gardner, "The High Aids", bem descreve!
   Mas, a grande utilidade do Pentagrama, para nós wiccans, não é a de representar os quatro elementos sob a regência do espírito, como se divulga na literatura de «wicca de supermercado», mas simplesmente porque para nós Iniciados as relações fundamentais do universo se exprimem sempre pelo número cinco. Não há outro número simples que o possa fazer, a não ser através dos números transcendentais como, por exemplo, o pi.
   Por isso, o trazemos ao peito sob a forma do pentagrama, aprendemos a emaná-lo na nossa aura, a usá-lo nos nossos rituais e criar segundo a sua "divina proporção, a consagrar todos os nosso instrumentos litúrgicos e a invocar os Deuses.
   O Pentagrama ajuda-nos também a perceber as lógicas irracionais nos fenómenos de crise da nossa vida, quando a razão é impotente para nos dar alguma inteligibilidade dela. Poderia falar muito mais sobre o seu significado oculto no Wicca, porque é tempo de acabar com as excessivas banalidades escritas em livros de "wicca de supermercado" e aqui na web: deixarei, no entanto, essas questões para as minhas workshops e para livros futuros.

18 - Como surgiu o uso dos wiccan trazerem o pentagrama inscrito num anel e num dos dedos da sua mão?
Este uso parece que vem do hábito de Gardner usar um anel semelhante. No entanto isto não é uma invenção sua. Quando Gardner foi membro da Crotona Fellowship em meados de 1939 ele conheceu o seu líder Frater Aureolis que o usava num dos dedos da sua mão. O seu uso do pentagrama não era no entanto de inspiração maçónica, nem sequer mesmo dos grimorios medievais, mas uma consciente afirmação da adesão do seu líder aos ensinamentos pitagóricos. Aureolis inclusive clamava, como era moda entre os grupos de inspiração teosófica e antroposófica, ser a reencarnação de Pitágoras.

19 - É possível a prática solitária do Wicca?
R: Desde as descrições romanas que a bruxa era apresentada solitária, nas franjas culturais e geográficas da sociedade, como uma excluída no monte e desenvolvendo formas de magia cujas características são tipicamente xamânicas. Circe está isolada na sua ilha e Medeia é uma bruxa solitária. Na Idade Media a bruxa e o bruxo são solitários que em estado alucinatório se encontram num mundo supra sensível.
   Na essência todo o desenvolvimento místico é solitário e ninguém o pode fazer por si. A função do grupo iniciático é permitir o acesso a material prático e a uma estrutura meditativa e ritual transmitida pelo exemplo de alguém experiente com tais métodos, como quando você vai a um ateliê aprender a dançar tango ou a um ginásio aprender Kung-Fu. É pelo exemplo e vendo como se faz que se aprende, ajustando a nosso comportamento ao do professor.
  Mas a função do grupo iniciático tem também outras finalidades:
    * Permitir o degolamento do Eu empírico
    * O auxílio personalizado de pessoas experimentadas nesses métodos mágico-iniciáticos.
    * Transmitir o "Poder" de uma Tradição, o que se chama o Egrégore.
No entanto, a prática solitária na vida moderna, estimulada pelo contexto cultural experimentalista da filosofia americana tipo "do it yourself", tem sido apoiada fundamentalmente em livros lidos, estudados e aplicados pelos seus praticantes, de uma forma acrítica e desordenada. Já alguma vez tentou aprender Yoga ou Tai-Chi, ou até a pintar a aguarela através de um livro? Todos nós nos lembramos, concerteza, dos sentimentos de impotência e frustração nessas situações em que os livros eram de pouco auxílio. Quando uma aprendizagem implica o corpo, então os livros são de pouca ajuda!
   Há subtilezas nos processos iniciáticos a que nenhum livro pode dar auxilio. A origem do livro como um guião mágico-religioso perde-se na memória dos grimorios e dos manuais de alquimia, mas grande parte desses livros eram dirigidos a uma classe já instruída nos fundamentos das técnicas ocultas, tal como acontece hoje a qualquer sofisticado manual de Java Script. Grande parte dos vanguardistas da prática solitária, eram então pessoas já treinadas nos processos mágico-iniciáticos de uma tradição como Doreem Valiente ou Marian Green.
   Uma pessoa que parta do nada está diante duma tarefa onde o subjectivo e a fantasia vem eclodir nos processos mágico-religiosos. Antes de seguir uma prática solitária treine com alguém já experiente nos processos mágicos que vai estudar.
   Grande parte dos solitários históricos da antiga bruxaria invocavam uma iniciação passada transmitida de forma pessoal, de mestre(a) a discípulo(a) e numa linhagem de praticantes solitários, ou então por iniciação visionária, tal como acontecia com os xamâs. Há casos históricos dessa iniciação visionária, quer na época da Inquisição quer no mundo moderno: lembre-se dos casos de Isobel Gowdie no século XVII e, modernamente, da artista australiana Rosaleen Norton.
   A questão que se põe no mundo moderno é que a prática solitária é um processo que se desencadeia de fora para dentro a partir de leitura acrítica de livros, filmes ou modas passageiras, e não de dentro para fora, por uma iniciação visionária ou pessoal.
   Por isso, a chamada auto-iniciação por estudo solitário do Wicca é quase sempre criadora de fenómenos aleatórios, inconsistentes e fantasiosos. Ela produz, a maior parte das vezes, alienação em vez de conhecimento e libertação.

20 - Mas eu tenho encontrado manuais para praticantes solitários! Então, qual o real valor destes livros e do apoio que eles podem me dar?
R: A partir dos anos noventa apareceram alguns manuais para wiccan solitários. Trata-se do caso de dois livros aparecidos no Reino Unido: em 1990 aparece "The Hedgewitch, a Guide to Solitary Witchcraft" de Rae Beth e em 1991 aparece " A Witch Alone: Thirtin Moons To Master Natural Magic" de Marian Green. Mas já em 1988 nos USA, no auge comercial de best sellers da Lewwellyn com os seus livros sobre Wicca, havia aparecido "Wicca, a Guide for the Solitary practitioner" do afamado escritor comercial Scott Cunningham.
   A questão que se põe em relação a estes livros, sobretudo ao terceiro, é que cria a ilusão de que imitando certas cerimónias inventadas pelos autores e algum grau de fantasia, uma pessoa se torna automaticamente um auto-iniciado na Wicca. Na verdade estes livros não são sobre ritual mas teatro, e nem sequer na acepção em que era tomado por Stanilawsy ou Artaud! Na acepção de teatro pobre!
   Esses manuais ajudam a difundir a ideia de que basta macaquear temas do Wicca que nos tornamos wiccans.
   Na verdade o ritual wiccan exige um prévio treino meditativo e visionário já que 99% do trabalho magico se passa nos reinos internos do mundo astral e etérico. O que dele vemos se fossemos espectadores é apenas a casca exterior. Seria o mesmo que pensarmos que nos tornamos yoguis imitando os movimentos de hatha yoga de um saddhu. Eles exigem um treino interno para que as faculdades imaginativas sejam coordenadas com o corpo e a sua energia etérica, e se tornem assim em meios de projecção da vontade e de comunicação com o mundo invisível! Esta coordenação ritual de corpo + imaginação é semelhante ao Tai-Chi e exige um acompanhamento pessoal.
   No entanto, eu penso que apoiado nos livros adequados e simultaneamente no apoio pessoal de alguém treinado na tradição, sem o compromisso restritivo de uma assembleia, é o melhor processo para o desenvolvimento da faceta de bruxo solitário. Este é o meio consagrado de ensinamento por exemplo entre os xamãs! Um outro meio é seguir workshops ao vivo com mestres treinados ou cursos por correspondência intervalado com encontros pessoais com o seu mentor.

21 - A imagem que tenho do Wicca é de uma restrita congregação de iniciados sob a autoridade da Grande Sacerdotisa e do seu Consorte o Alto Sacerdote. Então, desde quando é que existe uma prática solitária na tradição da Wicca?
R: Parece que a partir de uma certa altura, precisamente os anos oitenta, o conventículo ou assembleia tornou-se uma estrutura social bastante limitativa para algumas pessoas neles iniciados e a sua rotina processual ao nível mágico-religioso um aborrecimento. A função do coven tinha preenchido a sua função para eles.
   Sentia-se aliás que a estrutura de assembleia herdada de Gardner se não saltasse para um nível mais abrangente de acção mágica definharia na rotina cerimonial da devoção religiosa e da obra curandeira. Alexander Sanders já havia pressentido isso e no fim dos anos sessenta já havia introduzido algumas inovações que se baseavam na redescoberta dos valores tradicionais da Alta Magia Ocidental.
   Alguns conventículos investiram também em acções de ordem ecológica e ambientalista, feminista, até mesmo como célula guardiã de uma cultura tradicional que se ajustava ao espírito autonomista de certas regiões face ao poder central como na Irlanda, Escócia, Bretanha, dentro do espirito que Jules Michelet havia descrito mo seu livro A Feiticeira. O próprio Gardner havia dado o mote ao ter participado no putsh mágico anti-nazi em Stonehenge segundo contam as narrativas que criaram a lenda do Wicca. Este envolvimento criou um antecedente que se precipitou a partir dos anos setenta e oitenta numa consciente compromisso do trabalho mágico wiccan ter sempre alguma consequência positiva no ambiente e no nosso ecosistema da terra.
  
22 - Que tipos existem de Hedgewitches?
R: Há dois tipos de praticantes solitários: aqueles que trabalham fisicamente sozinhos, e contam apenas com a sua auto-motivação, a sua capacidade de estudo e critica, as suas faculdades físicas e psíquicas e aqueles que trabalham com a sua contraparte física feminina ou masculina, o seu companheiro ou companheira... sem mais ninguém!
   No Wicca  a expressão solitário aplica-se sempre a dois entes como um só: o Principio Masculino e o Principio Feminino. Pode acontecer que um bruxo wiccan solitário não tenha hipótese de trabalhar com uma pessoa de sexo feminino por exemplo, mas mesmo assim trabalhará com o seu princípio feminino oculto devendo para tal despertá-lo segundo técnicas consagradas apropriadas.
   Eu costumo classificar a praticar solitária wiccan em dois tipos: o tipo estrutural e o tipo metodológico.
   Na prática da magia wiccan quer se trabalhe sozinho ou acompanhado a dualidade da energia cósmica e sexual está presente no seu processo mágico-religioso como epifania da Dualidade Criadora dos Deuses Cornígeros. Mas esta classificação é de carácter estrutural.

   Pode-se também definir os tipos de praticantes solitários pelo tipo de métodos que usam na ênfase que dão ao corpo ou á mente. Assim podem-se classificar entre duas tendências: uma tendência à performance, ilustrada pelo uso de métodos formais de Magia Cerimonial onde predominam comportamentos normativos de acção litúrgica, e uma tendência à homeostase, onde predominam comportamentos de grande flexibilidade e transgressão, como o Xamânico ou o Tântrico. Basicamente esta divisão é baseada no regime funcional do corpo: um de tendência para a norma e outro de tendência para a excedência. Esta última classificação é de carácter metodológico.

23 - Como é designado o praticante solitário do Wicca?
R: Desde 1990 que o nome consagrado por excelência para definir o praticante solitário do Wicca tem sido o de Hedgewitch, uma expressão engenhosa e feliz apresentada por Rae Beth.
   A expressão no entanto não se aplica apenas ao solitário wiccan mas a todo o solitário que pratica processos de bruxaria visionária e neo-pagã.
   A expressão "hedge" atribui-se a alguém que está na fronteira ou limites duma sociedade e das suas formas de vida padronizadas pelas modas e os preconceitos, no limbo semântico de uma cultura utilitária, por um lado, e erudita, por outro.
   Mas essa fronteira é também o limiar da percepção cognitiva. Os métodos preferidos do Hedgewitch têm sido ordem ritual orientando-se por certas regras celebratórias do sistema wiccan e flexibilidade ritual por uma adesão á experiência visionária do transe lúcido. Lembre-se: transe lúcido não é o transe que leva à comatose, próprio dos fenómenos de possessão.

24 - Quais são as técnicas mágico-religiosas do Hedgewitch?
R: As técnicas mágico-religiosas de um Hedgewitch visam fundamentalmente permitir que ele funcione conscientemente no mundo supra sensível dos Deuses da Natureza. Esta técnica tem muitas semelhanças com as técnicas xamânicas que os povos siberianos e escandinavos usavam, como é relatada na Historie Norwiga, muito mais do que os seus modelos mediterrâneos que vemos representado na figura de Aradia. O modelo visionário de trabalho wiccan está ja sugerido sob a forma de mito nas lendas á volta do Cornigero Merlin.
   As técnicas do hedgewitch  podem estruturar-se em cinco partes cumulativas e correspondentes aos ângulos do Pentagrama:
    * a transfiguração visionária na natureza através de vários retiros nos bosques e no pico de colinas, ou em lugares santificados por vestígios funerários megalíticos, no sentido de reactivar experiências primitivas no campo da consciência.
    * a transfiguração visionária através de rituais de magia cerimonial onde se trabalham as metáforas e arquétipos da Wicca em certos períodos do ano.
    * a transfiguração visionária através do uso de uma herbologia mística com fins de feitiçaria.
    * a transfiguração visionária através do uso da sua sexualidade e das energias corporais numa perspectiva mágica e sacral.
    * a transfiguração visionária através de técnicas de transe xamânico e sonho lúcido. 

25 - Pode-me mencionar alguns Hedgewitches que tenham sido conhecidos?
R: Eu penso que o Hedgewitch mais importante deve ter sido Austin Osman Spare. A aura sacrílega que sobre ele pesa sobretudo nos meios puritanos do Wicca de "supermercado" coaduna-se bem com o modelo cultural do Hedgewitch como um indivíduo polémico, apostado na grande obra alquímica de transmutação do seu ego e defensor da anomia no plano ético. Ele apresenta todas as características fenomonológicas que se atribuem ao bruxo solitário, com a sua ênfase em técnicas xamânicas de índole visionária, a predominância duma cosmologia profundamente sexualizada do universo e o seu sistema altamente individualista.

26 - O que me aconselharia como atitude a tomar em relação á informação sobre o Wicca na internet?
R: Eu aconselharia o máximo de prudência.

A internet está cheia de conteúdos de Wicca completamente desinformados e desactualizados em matéria de pesquisa histórico-arqueológica e de cultura mágico-religiosa. Ainda se continua a encontrar milhares de sites que dizem que o Wicca é a Velha Religião da Europa, que é originária dos Celtas, que é de origem matriarcal, enfim, uma serie de medonhos tratados de estupidez cultural que merecem da parte das pessoas uma atitude de tolerante incredulidade.
   Por outro lado está saturado de pessoas que se auto-designam por altos iniciados, altas-sacerdotisas, e que das supremas alturas da sua ignorância declamam extraordinárias imbecilidades com um ar misto de inocência e pose de santidade new-age. Eu dou-lhe um exemplo que me aconteceu há dois anos aqui na internet. Resolvi por mera curiosidade consultar a lista de sites portugueses sobre Wicca numa pesquisa pelo AEIOU. Escolhi um deles que é representante em Portugal de uma organização néo-pagã internacional. Entrei nesse site e fui ter a um artigo de uma dita HPs (Alta-Sacerdotisa). Li o seu artigo e deu-me, inevitavelmente, uma enorme vontade de rir. É que a dita HPs(?) descrevia as características simbólicas e sazonais de um Sabat que se realizava no mês de Agosto de uma forma completamente adulterada, porque o que ela descrevia não se passava em nenhuma parte pelo menos setentrional da Europa. Isto é, ela deveria ter lido o que escreveu em qualquer lugar aplicável á Irlanda ou á Escócia, mas a verdade era que isso não se podia aplicar em Portugal. Porque uma das coisas que se aprende no Wicca Tradicional no grau de HP e HPs é a de individualizar os materiais litúrgicos em acordo com as características físico-etéricas do lugar.
   Assim, nunca se poderá transplantar literalmente um ritual wiccan sazonal, que tenha sido construído por exemplo para o território da Irlanda, para o espaço português. Ao telefone com uma colega inglesa gardneriana depois de lhe contar precisamente este caso ela contou-me que costuma viver em duas zonas completamente diferentes do espaço do Reino Unido, e que nos dois casos tinha rituais completamente diferentes um do outro em função da especificidade telúrica e cósmica do lugar onde os executava.
   Este é um exemplo de como poderá encontrar no labirinto da net auto-proclamadas altas-sacerdotisas, com pomposas e mirabolantes declarações de iniciações em grupos de altos iniciados da Atlântida e de Avalon, e o que lhe peço é muita prudência. Na verdade não é possível dar regras de conduta crítica em relação ao Wicca na internet, mas se possível use o máximo de prudência.
               
27 - Pode-se recomendar alguns livros de apoio para um praticante solitário?
R: Na opção de livros sobre Wicca tem de se ter sempre em mente dois contextos editoriais, que correspondem a duas filosofias completamente diferentes, quer de ordem comercial quer de escrita e escola: por um lado existem aqueles livros que são produtos comerciais do tipo "literatura de supermercado", que os intelectuais americanos designam por "trash literature", e temos por outro, trabalhos literários marcados por uma preocupação de raciocínio e profundidade esotérica no Wicca.
   No primeiro caso, tem toda a série de publicações de Silver Ravenwolf, Scott Cunningham, Gerina Dunwich, etc, e que estão para o Wicca como um vinho a martelo está para um bom e delicado vinho de marca.
   No segundo caso tem livros excelentes e sofisticados como os de Vivianne Crowley, de Stewart Farrar, Ronald Hutton, Chas Cliffon, Starwauk, etc.
   Em todo o caso, um praticante solitário não costuma seguir um receituário nem um catecismo ritualista, e é importante estar muito bem informado sobre as ultimas pesquisas históricas sobre Wicca e os trabalhos actualizados de etnografia, meditação, ritual, etc. Abaixo apresento alguns livros essenciais para leitura de um estudante hedgewitch:

     Livros Fundamentais para Estudo de Wiccans Solitários:
   "Hedgewitch, a Guide to Solitary Witchcraft", de Rae Beth, [A Magia das Bruxas Solitarias]
   "The Spiral Dance", de Starhawk, [Dança Cosmica das Feiticeiras]
   "The Witch Alone", de Marian Green.
   "Principles of Wicca", Vivianne Crowley.
   "Witchcraft Today", Gerald Gardner. [Bruxaria Hoje]
   "The Meaning of the Witchcraft", Gerald Gardner
   "Witchcraft for Tomorow", Doreen Valiente.
   "Essential Wicca", Paul Tuitéan & Estelle Daniels [Wicca Essencial]
   >> Coadjuvantes Recomendados no Treino Meditativo Wiccan:
   "Meditation", de Naomi Humphrey.
   "The Light of Earth.", de R. J. Stweart.
   >> Estudos Eruditos que Interessam a um Wiccan:
   "The Triumph Of the Moon", de Ronald Hutton.
   "The Pagan History of the Europe", Prudence Jones.
   "The Wiccan Routes", Phillip Heselton.
   "The Pagan Religions of the Ancient British Isles", Ronald Hutton.
   "A Religião Popular Portuguesa", de Moisés Espírito Santo.
   >> Colectâneas e Enciclopédias:
   "Witchcraft Today" (3 vols), Shas Clifton.
   "Voices of the Godess", Vários Autores.
   "The Encyclopedia of Witches and Witchcraft", Rosemary Ellen Guilley.
   >> Livros para quem pretende um dia ser iniciado num conventículo tradicional:
   "Wicca, The Old Religion", de Vivianne Crowley.
   "Wiccan Mysteries", de Raven Grimassi. [Misterios Wiccanos]
   "The Spell of Making", de Blacksun.
   "Eight Sabbats for Witches", de Janet & Stewart Farrar. [Oito Sabas das Bruxas]
   "What Witches Do", de Janet & Stewart Farrar.
   "The Witches´ Way", de Janet & Stewart Farrar, Phoenix.

    Livros de Wicca Coca-cola
   A literatura "wicca coca-cola" não é recomendável por ninguém que tenha do Wicca uma concepção iniciática. Em virtude do seu nível de analfabetismo esotérico e o carácter distorcido da suas opiniões, sobretudo os livros de Scott Cunningham , Silver Ravenwolf, Gerina Dunwich, Patricia Telesco, etc., são divulgadores de uma forma completamente errada e desajustada da realidade iniciática.
   Livros de autores portugueses como Márcia Frazão, Paulo Coelho, Garcia Baptista, enquadrados habitualmente no tipo de «literatura para dona de casa», além dos seus conteúdos serem inconsistentes e incongruentes são um gasto inútil em dinheiro sob o ponto de vista literário e esotérico.